Bahia é o 4º estado do país com o maior número de assassinatos de indígenas

Ouvir notícia

O ano de 2024 foi marcado pelo assassinato de 211 indígenas em todo o Brasil. Não por coincidência, aquele foi o primeiro ano completo sob a vigência da Lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso Nacional, que instituiu o Marco Temporal. O levantamento sobre as mortes foi divulgado na segunda-feira (28) e pertence ao relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2024”, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

 Ainda segundo a publicação do CIMI, dos 211 assassinatos, 23 foram na Bahia, sendo o 4º Estado com o maior número de vidas indígenas ceifadas no país. Os primeiros no ranking da vergonha são Roraima (57), Amazonas (45) e Mato Grosso do Sul (33). Os dados comparativos dos anuários do CIMI evidenciam que os assassinatos indígenas cresceram 201,43% nos últimos dez anos. Eram 70, em 2014; e chegaram a 211, em 2024. Os números têm como fontes o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), a Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena e as secretarias estaduais de saúde.

 Após o Congresso aprovar a Lei 14.701/2023, do Marco Temporal, o que todos os setores sociais do país que defendem as pautas progressistas esperavam era uma célere atuação do Poder Judiciário em prol das comunidades indígenas. Porém, ao invés disso, o encaminhamento do Supremo Tribunal Federal foi pela tentativa de construção de um caminho de conciliação que, após dez meses, terminou esvaziada e sem êxito. O fato deu ainda mais respaldo para que fazendeiros, grileiros, posseiros, garimpeiros, pistoleiros e empresários que lucram com a terra e com a extração desregrada do meio ambiente, intensificassem os ataques aos povos originários.

 Nega Pataxó

 O primeiro ano completo sob a vigência do Marco Temporal teve o primeiro assassinato de indígena, na Bahia, já no mês de janeiro. Um grupo de fazendeiros conhecidos como “Invasão Zero”, com a conivência de militares, atacou uma comunidade indígena Pataxó Hã-hã-hãe, que integrava a retomada do território Caramuru, próximo a Potiraguá, no sul da Bahia. Na ocasião, a liderança indígena Nega Pataxó foi assassinada. O cacique Nailton (irmão de vítima fatal) e mais dois também foram atingidos por tiros. Além deles, uma mulher teve o braço quebrado, ocorreram vários espancamentos e hospitalizações.

Nega Pataxó / Foto: Redes sociais

 Descaso do Estado

 Liderança indígena do povo Tupinambá da Serra do Padeiro (BA), respeitado nacionalmente por sua luta, o cacique Babau diz que os dados do relatório do CIMI são consequência da política de perseguição implementada pelo governo de Jair Bolsonaro. “Sabíamos que seria terra arrasada para nós indígenas, porque a intenção era deflagrar uma guerra aberta contra a população indígena e seus territórios”. Para Babau, o Marco Temporal é uma porta aberta, porém não está apenas nele o problema. “O principal é o descaso do Estado Brasileiro, do governo, diante da luta pelo território. Quando você não faz as demarcações, não conclui, você prejudica principalmente os índios que não têm terra nenhuma. Se você for observar, quem mais morre são os índios que estão lutando por território”.

 O cacique dos Tupinambá acredita que os números de assassinatos são ainda maiores, pois existem mortes subnotificadas. “Morreu muito mais indígena aqui na Bahia. Tenho certeza, mas não é computado como na luta por território. A tendência é o agravamento, se não houver uma reflexão do Estado Brasileiro. De proteção de fato, de devolver o direito às nações indígenas”, afirmou.

 O professor Halysson Fonseca, Coordenador da Licenciatura Intercultural em Educação Escolar Indígena (UNEB / Campus X), afirma que, além de impulsionar o aumento da violência, o Marco Temporal tornou mais lenta as demarcações de terras em andamento. “Arrisco dizer que o Marco Temporal representa um instrumento de tortura (para quem aguarda o direito à dignidade há século), na medida em que torna o processo das demarcações em curso na Bahia muito mais difícil. As instituições encarregadas de proteger a Constituição de 1988 estão tomadas por representantes empenhados em fazer o contrário, em garantir a paralisação dos processos demarcatórios, em defender madeireiras, grileiros e fazendeiros”, disse o docente, que integra do grupo de base da ADUNEB, uma seção sindical apoiadora da luta dos povos originários.

Protesto Tupinambá, em Olivença (BA) / Foto: CIMI

 Invisibilização e ataque a direitos

 Cacique, poeta e escritor, Juvenal Payayá é uma das principais lideranças indígenas da Bahia. Ele ressalta que a violência contra os povos originários é histórica e chegou junto com os colonizadores há mais de 500 anos. Ele afirma que são vários os episódios de massacres de centenas de indígenas, invisibilizadas/os pelos livros de história. “Só aqui onde estou, na beira do Rio Utinga, por volta do ano de 1600, mais de 200 parentes foram degolados. Isso saiu da história, ninguém conta”.

 Payayá denuncia o desmonte da Constituição de 1988, segundo ele, a única na história da nação a se preocupar com a questão indígena em seus artigos. O cacique explica que, até o ano passado, a Constituição teve 114 emendas, sendo a maioria para a retirada de direitos. “E os principais direitos arrancados foram os dos povos indígenas”.

 Caminhos para a luta

 Além da histórica luta pela demarcação das terras indígenas, Juvenal Payayá aponta dois caminhos para que se possa minimizar os conflitos e devolver diretos aos povos originários. O primeiro é eleger quem os represente no Poder Legislativo. “Nós continuamos iludidos pela votação no homem branco. Temos que votar nos nossos parentes. Temos que unir negros e indígenas, se quisermos ainda ter uma sobrevivência”. O segundo caminho é a proposta de que cada terra negociada no Brasil, com escritura, um percentual de retribuição seja recolhido para o banco dos povos indígenas. “Essas terras são do nosso povo. Não é a solução, mas já é uma proposta. Vamos ver qual a contraproposta que vem do outro lado. Queremos negociar com os fazendeiros, com o Congresso. Se o Ministério dos Povos Indígenas não aparece com uma proposta geral, nós vamos apresentar, finalizou a liderança indígena.

 Fontes: Relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2024, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e Brasil de Fato

 

 

 

Voltar ao topo