Marcha das Mulheres Negras ocupa Brasília e mostra a força da ancestralidade



Elas eram milhares e de todos os cantos do país. Com a força dos passos ancestrais e os punhos cerrados, fizeram história ao ocupar a Esplanada dos Ministérios, nesta terça-feira (25), em Brasília. A Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver foi um verdadeiro aquilombamento, que mostrou a potência da ação coletiva. Segundo estimativa da organização, a atividade teve aproximadamente 300 mil pessoas. O ato foi construído por meio de um movimento organizado por mulheres de todo o Brasil, de diferentes gerações, territórios e contextos sociais, organizadas em Comitês Municipais, Regionais e Estaduais.
Cumprindo seu papel na luta antirracista e feminista, a ADUNEB marcou presença levando um ônibus com professoras e estudantes. Também auxiliou no translado de integrantes de movimentos sociais. Apenas o percurso de ida – Salvador / Brasília – foram 1.468 km, percorridos em 26h de viagem, para somar forças contra o preconceito estrutural vigente, de um país que foi construído sob a dor, o sangue e o trabalho das mulheres negras, e ainda hoje, mais de 500 anos depois, ainda nega seu reconhecimento e sua reparação histórica.

Preconceito Estrutural
Mulheres negras são 28% da população brasileira, mas têm como remuneração menos da metade da renda média dos homens brancos; 63% dos lares chefiados por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza (IBGE 2023). O problema também impacta os espaços de poder e deliberação pública. Mulheres negras ocupam apenas 2% das cadeiras legislativas do Congresso Nacional e menos de 5% nos governos locais (TSE – Gênero e Número 2024).
Professora do Campus de Alagoinhas e pesquisadora sobre subalternidades, Adriana dos Reis comentou sobre a importância em ter participado da Marcha. “Como negra e gorda, mesmo sendo menos retinta, sempre passei por situações de preconceito e relações abusivas. Sou filha de costureira, com pai motorista. A primeira da minha família a fazer um mestrado, a entrar num doutorado. Estar aqui e encontrar meus pares é como se eu renascesse como mulher negra”.

Ato político
A estudante Ainara Nascimento Silva cursa Pedagogia no Campus de Salvador. Ela foi uma das estudantes que participou da caravana da ADUNEB. “Para mim, integrar a Marcha é uma questão de resistência, de sobrevivência e um ato político. É um movimento político que faço não apenas por mim, mas também pelas que virão. Entendendo ainda que outras mulheres negras marcharam antes de mim. Estar aqui é honrá-las e honrar a nós mesmas, participando desse momento.”
Aposentada há quatro anos, Nilzete Cruz Silva era docente do Campus de Conceição do Coité. Visivelmente emocionada, com os olhos marejados, ela comentou sobre sua participação na atividade e o sentimento vivido. “Estou aposentada, mas não me sinto fora da luta contra o preconceito, o machismo. Enquanto tiver saúde, vou seguir contribuindo em homenagem às minhas antepassadas. O que mais me emociona é saber que minha mãe, minhas avós, minha bisavó, que foram guerreiras, não tiveram a chance que eu tive. E se não fossem elas, eu não estaria aqui”.

Lugar de mulher é onde ela quiser
Também integrante da caravana da ADUNEB, a estudante do Curso de Matemática do Campus II, Evanildes Nascimento, comentou sobre a oportunidade de adquirir novos conhecimentos na Marcha. Ela é quilombola do município de Ouriçangas, zona rural de Fazenda Picada. “Foi uma experiência incrível. Acho que se eu não estivesse na universidade pública, a oportunidade de estar aqui seria mínima. Foi minha primeira participação na Marcha. Além de adquirir novas experiências, e conhecimentos, pude ver na realidade que mulheres negras podem estar em todos os lugares”.

Final da Marcha. Congresso Nacional ao fundo
Aquilombar para resistir
Ao final da Marcha, com a voz embargada pela emoção e a certeza da contribuição dada à luta, a Coordenadora Geral da ADUNEB, Karina Sales, destacou a força coletiva do momento vivido. “Que a gente possa se fortalecer cada vez mais na e pela coletividade. Porque essa luta é cada vez mais intensa. Não estamos sós nas lutas. A Marcha não é só hoje, ela é todo dia! Precisamos lutar contra todas as tentativas de preconceito, de cerceamento e de extermínio da população negra. Então estamos nos aquilombando mais e mais. Foi lindo, foi maravilhoso e continuará sendo, porque seguiremos resistindo,”, finalizou Karina.


