ATL Bahia – Mais de 1800 indígenas acampam em Salvador para debater território e clima



“Estamos em um século tão avançado e a gente ainda precisa brigar por demarcação de terra e por território, o que deveria ser um direito”. A fala, um misto de lamento e indignação, veio da jovem indígena , fazem parte dos mais de 1800 indígenas que estão no Acampamento Terra Livre (ATL Bahia), localizado no Centro Administrativo da Bahia, em Salvador. Com apenas 17 anos, residente em uma comunidade em Arembepe, Aira olha para o horizonte e sonha com o dia em que os povos originários serão respeitados e ela, como educadora, ajudará na formação de seu povo.

A mãe Indiara Silva e a jovem Aira Tsayna
O 7º ATL Bahia realizado entre os dias 2 e 6 de novembro, tem como tema “Clima e Território: duas lutas, um direito” e é organizado pelo Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba). A atividade reúne 34 delegações indígenas de todo o território baiano para importantes articulações políticas e a organização da luta e da resistência. Lideranças e comunidade indígena, junto a representações dos movimentos sociais e do poder público, debatem questões relacionadas ao meio ambiente, à demarcação de territórios e sobre sustentabilidade. O objetivo é o fortalecimento de políticas públicas que resguardem direitos à cidadania, à terra e à vida.

Plenária de abertura do ATL Bahia
Dialogando com a comunidade presente no ATL nota-se que a preocupação com a terra e a vida pulsa em cada conversa. “A gente vive numa constante incerteza e tensão, sabendo que a qualquer momento um de nós vai ser morto. Estamos na luta, a gente não tem medo, mas estamos nas nossas retomadas (de territórios), então é uma tensão enorme”, relatou à reportagem Ilclena Tuxá, diretora de assuntos jurídicos do Mupoiba. Ela disse ainda que o perigo é tanto que muitas das lideranças não podem sair às ruas, ficam escondidas nas matas para não serem assassinadas.

Ilclena Tuxá - Luta sem medo, mas tensão pela morte dos parentes
Só falta assinar
Especialistas sobre a disputa fundiária que envolve os povos originários e os fazendeiros e empresários que exploram comercialmente os terrenos, afirmam que a demarcação das terras indígenas se configura como o melhor caminho para a redução da violência. Na Bahia, quatro territórios já passaram por todo o processo legal e estão prontos para a demarcação, aguardando apenas o decreto do Governo Federal. São eles, o Território Pataxó, de Barra Velha, os territórios Tupinambá, de Belmonte e Olivença, e o território Tumbalalá, de Curaça.
Segundo Agnaldo Pataxó, Coordenador Geral do Mupoiba, as demarcações que já aconteciam de maneira lenta, foram ainda mais prejudicadas pela aprovação do Marco Temporal, no Congresso Nacional. A mesma norma já havia sido considerada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal. Porém, a partir da aceitação pelo parlamento, o Marco Temporal passou a respaldar as ações violentas de fazendeiros, posseiros e milicianos.

Agnaldo Pataxó - Provocações constantes ao poder público, mas sem avanço
“Temos constantemente provocado o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público Federal. Temos dialogado com o Conselho Nacional de Justiça para que os juízes nos respeitem como povos originários, mas não tem avançado. Temos conversado com o Ministério da Justiça, pressionado o Governo Federal e reivindicado que o Governo Estadual faça a ponte política, mas não tem avançado”, afirmou o cacique Agnaldo Pataxó.
Vontade política
Não existe Marco Temporal, pois o marco é a ancestralidade dos povos originários. Portanto, o que falta para o avanço e conclusão das demarcações é boa vontade política. Essa é a análise da Coordenadora Geral do ATL Bahia e também liderança do Mupoiba, Patrícia Pankararé. “Falta continuar as cartas declaratórias e homologar os territórios indígenas da Bahia. Tem que partir dos nossos políticos, do nosso judiciário, do nosso presidente Lula. É uma constatação realmente de conscientização, porque não existe território, não existe preservação, justiça climática, sem povos indígenas”, disse Patrícia.

Patrícia Pankararé - Falta vontade política dos governos para a demarcação
Invasão Zero
A liderança Pankararé comenta sobre o impacto que a falta de vontade política causa à comunidade. “Nós vivemos em insegurança pública dentro dos nossos territórios, principalmente no Extremo-Sul da Bahia, porque (a região) é o foco das redes hoteleiras, dos políticos, do agronegócio, do Movimento Invasão Zero, que tem feito essa desgraça da matança das nossas juventudes e das nossas lideranças”. Patrícia explicou que o Invasão Zero é uma organização de agricultores que andam armados, apoiados por pistoleiros e milicianos, que causam terror na região do Extremo-Sul da Bahia. “Todo mundo sabe muito bem que o Invasão Zero são pessoas que estão programadas para matar. Você não vê dizer que o indígena está matando. Mas enquanto fazemos manifestações nas BRs, fechando as portas dos territórios, eles nos matam”.
Sociedade
Por trás de um olhar que vibra em força e resiliência, a Cacica Iracema Pataxó, natural da aldeia mãe de Barra Velha, região de Porto Seguro, conclama o apoio da sociedade. “Chegou o tempo de abrirmos a mente e saber que só cultivando as nossas plantas, as nossas raízes, as florestas é que nós vamos ter vida. Porque sem vida não adianta ter carro, ter prédio, não adianta ter nada. Nós precisamos cultivar as nossas nascentes, as nossas águas, os nossos rios, as nossas florestas. Precisamos do apoio da sociedade porque as florestas estão desfalecendo e as nossas vidas também”, comentou Iracema, que segue os passos ancestrais de sua avó, a primeira cacica mulher da aldeia de Barra Velha.

Iracema Pataxó - Apoio da sociedade para a proteção das florestas e dos povos originários
Apoio à causa indígena
Ciente da importância humana e histórica das comunidades originárias, a Coordenação da ADUNEB entende que toda entidade que atua em defesa da vida, dos direitos humanos e das demais pautas progressistas deveria ter a questão indígena entre suas bandeiras de luta. “Assim como na invasão portuguesa, há mais de 500 anos, o sangue indígena continua a ser derramado, mas agora pelas mãos de fazendeiros, latifundiários, pistoleiros e milicianos. Apoiar a luta das comunidades indígenas, seus direitos, a posse histórica das terras e a garantia da vida não é apenas mais uma pauta da Seção Sindical, mas uma obrigação”, afirmou a Coordenadora Geral da ADUNEB, Karina Sales. A Seção Sindical, assim como fez em anos anteriores, contribuiu com a organização do ATL Bahia.


