A Bahia de todos os “nós”: os sem diplomas e o nó da Formação dos professores
Prof. Dr. Reginaldo de Souza Silva*
A Lei que determina as diretrizes e bases da educação brasileira (9394/96) prevê que todo professor, para exercer a profissão, deve ter diploma em cursos superiores que formam professores, as licenciaturas. Infelizmente, no Brasil, dado ao atraso histórico instalado de desvalorização da profissão docente, tem aumentado na educação básica o número de pessoas que ocupam a função docente sem a formação superior exigida. Os denominados “sem diploma”, entre 2007 e 2009, segundo o Censo Escolar do Ministério da Educação, somavam, em 2009, 636 mil, o que representava 32% do total de professores do nosso país.
Nesse cenário, a Bahia possui um dos quadros mais críticos. Na rede estadual de ensino, por exemplo, 35% do quadro ainda não possui formação superior completa, e nas redes municipais baianas o percentual chega a 76%! Para tentar reverter esse quadro, o governo estadual aderiu ao Plano Nacional de Formação dos Profissionais do Ensino, lançado pelo governo federal em 2009, que pretende, através de ações, em regime de colaboração entre a União, os estados e municípios, organizar ações de formação (inicial e continuada) dos professores no Brasil.
Nas mensagens veiculadas pelo governo da Bahia de todos os “nós” em outdoors, nos discursos e propagandas nos meios de comunicação está dito que é possível zerar o número de professores sem formação no estado através das ações empreendidas pela Secretaria da Educação da Bahia. Para tanto, serão oferecidas, através do Plano Nacional de Formação de Professores (PLAFOR), 60 mil vagas de formação inicial para professores. Até o momento, dizem as propagandas, já são 25 mil professores matriculados em várias licenciaturas e outros 35 mil esperam ser incluídos até o final de 2011. A propaganda diz que o PLAFOR baiano contará com o investimento de R$ 400 milhões do governo federal e R$ 84 milhões do estadual, ao longo de seis anos. Para por em marcha tal projeto, as universidades federais, as universidades estaduais e os institutos federais da Bahia foram chamados a contribuir.
Entretanto, como docente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, o que temos visto é que essa tentativa de qualificar os profissionais da educação através do ensino superior tem enfrentado vários obstáculos. Dentre eles, poderíamos citar: o acúmulo das horas de trabalho com as horas de formação; o difícil deslocamento até os locais de estudo; as dificuldades em permanecer nos cursos; a dualidade entre a formação oferecida através do PLAFOR e a formação oferecida nos cursos regulares; a falta de tempo para amadurecer os conteúdos e as habilidades necessárias a profissão etc. Além disso, alguns municípios, que, no regime de colaboração, deveriam arcar com os custos logísticos (alimentação, hospedagem e transporte dos profissionais de ensino em curso), por vezes, não têm cumprido com suas obrigações e ainda sobrecarregam os professores com a responsabilidade de pagarem com o seu próprio salário os seus substitutos (que na maioria das vezes não tem formação e não passaram por qualquer forma de seleção pública).
O resultado é que uma grande parte desses 25 mil professores em formação está desistindo (ou seria melhor dizermos que estão sendo expulsos por falta das condições mínimas de permanência?) dos cursos. Os professores estão evadindo do plano de formação, pois não estão conseguindo arcar com a grande “conta” que lhes tem sido apresentada: a de se transformarem em índices positivos para o governo ao invés de serem considerados como gente, seres humanos responsáveis pela educação de milhares de outros seres humanos e que, para isso, precisam também de formação.
Nesse mesmo lado estão também os formadores dos formadores (os professores universitários): Como podem as universidades estaduais garantirem a qualidade da formação oferecida se os recursos destinados para o seu funcionamento foram contingenciados através dos decretos que interferem e violam a autonomia das universidades? Como garantir qualidade, compromisso e respeito se os docentes da educação superior na Bahia não são reconhecidos nem valorizados pelo governo do estado, provocando também um grande êxodo de docentes que se demitiram para ingressar em outras instituições de ensino superior? Sem dúvida, os professores, em todos os níveis de ensino, têm sofrido com as afrontas deflagradas pela atual administração baiana.
Resta-nos, então, sugerir a administração pública da Bahia uma atitude pedagógica: que o governo se auto-avalie e que pondere se é possível receber, em uma escala de zero a dez, uma nota maior do que zero. Pois, perguntamos, será ele capaz de desatar os “nós” que ele mesmo criou?
Queremos (exigimos) para todos os profissionais da educação na Bahia cursos de qualidade e não apenas a certificação. E, para isso, teremos que falar em universidades que também sejam de qualidade e não meramente distribuidoras de diplomas, sucateadas que estão pelas manobras e ingerências deste governo. Portanto, como responsáveis diretos pela viabilidade da formação dos milhares de professores das redes públicas do estado da Bahia, alertamos ao governo, e a sociedade, de que não será possível desatar os “nós” da qualificação dos professores em nível superior se os “nós” atados pelo governo para as universidades estaduais (contingenciamento de recursos, congelamento de salários dos docentes, desrespeito a autonomia universitária) permanecerem “enforcando” todas as possibilidades de uma formação extensa e de qualidade.
Não será possível prever uma educação básica de qualidade se a educação superior, que é responsável pela formação dos milhares de professores, continuar sofrendo os ataques de desmonte desferidos nos últimos anos. A educação da Bahia é uma só! Isto é, a educação básica e a educação superior estão intrinsecamente ligadas e da qualidade (ou dos dados) de uma dependerá a qualidade da outra, traduzindo-se, assim, na educação da Bahia.
Se continuarem a desrespeitar os professores da educação básica, a desvalorizar e sucatear as universidades públicas estaduais, só restará atribuirmos ao governo do estado da Bahia, e as suas secretarias que insistem em violar e desrespeitar a autonomia universitária, a nota ZERO, pois o resultado de tais ações serão professores desmotivados, índices vergonhosos de qualidade da educação e um futuro tenebroso no qual os jovens não hão de querer ingressar na carreira docente e os mais velhos continuarão a luta para manter o que resta de dignidade e de qualidade porque têm a certeza de que os governos passam.
* Reginaldo de Souza Silva, Doutor em Educação Brasileira, professor do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da UESB. Email: reginaldoprof@yahoo.com.br