Educação e Contradição: os “nós” dos nós
Joselito Brito de Almeida[i]
O campo educacional é, tradicional e incontestavelmente, palco de barganha política em época de eleições e sempre esteve pautado nos debates, propostas e cogitações políticas dos sequiosos postulantes aos cargos públicos eletivos. A tese central apresentada pelos candidatos, na maioria das vezes, vincula a educação, o processo educativo e a escola, aqui entendida como locus privilegiado de socialização, contextualização e contestação dos conhecimentos vigentes no âmbito da sociedade, à geração de um conjunto de habilidades e competências intelectuais, motoras e técnicas que assegure e garanta a capacidade de trabalho e de produção dos sócio-economicamente excluídos.
Esta concepção está presente nos discursos dos candidatos de esquerda, de centro-esquerda e de direita que tentam interpretar a educação a partir da associação entre educação e mudança social sem considerar que ambos são dimensionados por diferentes contextos históricos e territoriais e pelas diversas realidades sociopolíticas, econômicas e culturais postas aos homens e mulheres, crianças, jovens e adultos em processos de apreensão do mundo, ou seja, de aprendizagem.
As políticas públicas educacionais gestadas, desde o século passado, e, principalmente, a partir dos anos 90 intentam redimensionar o processo educativo à luz dos novos parâmetros econômicos da globalização neoliberal, acentuando, cada vez mais, o caráter dicotômico, ideológico e de exclusão presentes na escola por meios dos inúmeros mecanismos de seletividade social e inculcação ideológica que alargam a reprodução do sistema de desigualdade, de concentração de riqueza, de poder e de dominação.
Neste início de século, as elites das classes dominantes propõem mudanças educacionais que perfilam como “verniz” e que estão solidamente amarradas aos interesses do capital e dos donos do poder. Essas reformas educacionais “cosméticas” visam, simplesmente, acelerar os ritmos e encurtar os tempos da classe-que-vive-do-trabalho na escola, expulsando-a, precocemente, para o mundo do trabalho por meio de repetidas e aligeiradas (des)qualificações profissionais, em cursos técnico-profissionalizantes, na escola ou fora dela, e que oferecem formações obsoletas que não atendem sequer à própria demanda do capital no atual processo produtivo de acumulação flexível que requer, cada vez mais, um trabalhador multifuncional.
A questão, hodierna, consiste em colocar os filhos dos trabalhadores, os próprios trabalhadores, os desempregados e subempregados, ou seja, os sujeitos negados, esquecidos, oprimidos e excluídos - os incultos ou semicultos – nas malhas do “novo” processo produtivo. Malgrado tal intento, vislumbra-se a imperiosa concentração social e racial da riqueza e do poder.
No âmbito do sistema educacional baiano, estamos longe de uma experiência coletiva autenticamente republicana e democrática, pois, as decisões impostas unilateralmente de cima para baixo, no atual governo, têm-se travestido tanto de controle e punições impostos pelas “autoridades escolares” quanto de uma rede paralela de espionagem, intimidação, agressão e exclusão de professores, estudantes e funcionários considerados “rebeldes”, porque em suas legitimas manifestações denunciam o sucateamento sistemático das escolas, das quatro universidades públicas estaduais baianas – UEBA e dos meios de pesquisa básica e tecnológica nelas existentes e, o descaso do Sr. Jaques Wagner com o patrimônio cultural do povo baiano, ao tempo em que reivindicam uma educação pública, gratuita, de alta qualidade a serviço da promoção da classe trabalhadora e socialmente referenciada em suas lutas.
Portanto, não compreender que um governo eleito democraticamente e que reivindica para si o título de ‘democrático e popular’ não pode colocar-se acima dos demais cidadãos e, muito menos, desafiar a boa-fé e o senso comum da coletividade, significa, no mínimo, estar despreparado para exercer os encargos como chefe do poder executivo. Não se trata, como apregoam alguns, de que o movimento dos docentes das universidades estaduais baianas busca reatar os laços com o passado; mas sim, da assunção da tarefa do educador de se colocar em uma posição independente e crítica como requisito fundamental para a existência da democracia. Sem a existência de uma sociedade civil democrática não existe nem um Estado nem um governo democrático, apenas uma minoria predatória e egoísta que governa para poucos e se arroga a dizer que o governo é de todos nós.
Uma coisa é patente. O argumento de que o Estado da Bahia não pode atender as reivindicações mínimas dos professores, estudantes e técnico-administrativos das universidades é falacioso, danoso e perverso. O caráter intervencionista do governo nas universidades estaduais com a manutenção da lei 7.176/97, herança dos governos carlistas, e a ingerência do governo do Partido dos Trabalhadores nas UEBA com o decreto nº 11.480/2009 de contingenciamento, que estrangula a carreira docente, impedindo o pleno gozo dos direitos de promoção, progressão e alteração de regime de trabalho, assegurados no Estatuto do Magistério Público das Universidades do Estado da Bahia, por meio da lei nº 8.352/2002, denota a prepotência de um governo e o despreparo para cumprir a sua missão e revela os esforços do Sr. Jaques Wagner para aprofundar a crise nas universidades e torná-las inviáveis em termos sociais e operacionais.
Neste vasto painel de dilemas e contradições, a Secretaria da Educação do Estado propõe uma certificação esdrúxula aos professores que atuam no Ensino fundamental e Médio como forma de promoção na carreira e, que além de não beneficiar a totalidade dos professores “certificados” e aprovados, pois limita estes ao quantitativo de 3.000 profissionais em todo o Estado, deixa de fora de qualquer reajuste nos salários os demais professores e coordenadores pedagógicos, inclusive os aposentados e os pensionistas quebrando de uma vez a isonomia entre a categoria, gerando uma política geral de desvalorização dos professores e de intimidação do intelectual em todos os níveis de ensino.
É isso que o governo do Sr. Jaques Wagner enxerga e pratica sob uma ótica caolha, abrindo um hiato entre suas práticas administrativas e políticas e sua retórica de “democracia participativa” e, desta forma, contraria a avaliação dos analistas de que a melhoria da qualidade da educação pública é meta para o desenvolvimento do Brasil.
[i] Pedagogo, especialista em educação. Mestrando em Educação e Contemporaneidade e professor da UNEB.