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A copa que ninguém vê

Por Flávio Bastos

Na África, quando um menino masai aprende a andar, ele já recebe um bastão para ir treinando. Aos 5 anos, ganha junto com uma vara de pastor, sua primeira lança para defender os cordeiros e cabras que receberá em seguida. Assim que aprimora as suas habilidades pastoris, torna-se responsável por alguns animais e, aos 10 anos, já deve saber cuidar de si e de seu gado. São as vacas que lhes provêem quase todos os alimentos que consomem. O gado é tão importante para esse povo que a saudação mais comum quando um masai cruza com outro pelas savanas africanas, é: "Espero que suas vacas estejam bem".

A copa do mundo de futebol que está sendo realizada na África do Sul, traz visibilidade para a região, além de uma legião de turistas e profissionais da imprensa que contribuem com os altos lucros que o país obtém como sede da copa.

No entanto, não muito longe do cenário de interesses que move um evento dessa envergadura, existe uma copa que ninguém vê: "a copa da luta por comida" que ocorre na África Ocidental, onde a mídia mundial não se faz presente porque não existem interesses lucrativos ou de visibilidade que atinja o grande público consumidor.

O certo, é que indiferente à copa do mundo da poderosa FIFA, milhões de africanos ocidentais - estima-se em 10 milhões - estão ameaçados pela estiagem e falta de alimentos a preços acessíveis.

Atualmente, segundo as organizações humanitárias internacionais, pessoas esfomeadas estão sendo forçadas a comer folhas e coletar grãos de formigueiros. A situação cruel se repete em diversos países, onde a insegurança alimentar provocada pela estiagem que devastou plantações e provocou a falta de pastagens, água e colheita pobre, estão levando famílias ao desespero na busca por comida.

Com a crise estabelecida e a decorrente alta no preço dos alimentos, muitas famílias estão consumindo a ração que seria destinada ao gado, fato que tem provocado a morte por inanição de muitos animais, inclusive caprinos, que servem como fonte de alimento no consumo do leite e da carne.

Somando-se às perdas na agricultura provocado pelo desequilíbrio climático na região, nuvens de gafanhoto danificaram as árvores frutíferas que mantinham como a principal fonte de renda nas áreas rurais de alguns países, principalmente no Chade, onde a colheita 2009/2010 foi considerada a pior dos últimos anos.

Conforme informações das organizações humanitárias estabelecidas na África Ocidental, a situação é extremamente preocupante e comparável ao caos que enfrentou a Etiópia em 1984, quando cerca de um milhão de pessoas teriam morrido devido à estiagem e à lenta reação da comunidade internacional frente ao quadro dramático.

Enquanto na copa da fartura as disputas são pela posse da bola, vaidade, orgulho, audiência ou por interesses dissimulados, na copa da fome os interesses estão voltados para a luta pela sobrevivência e dignidade.

Enquanto na África do Sul os micro e mega interesses começam a contabilizar os lucros e as vantagens obtidas nas disputas que tem como "pano de fundo" a bola de futebol, na África Ocidental os esfomeados e esquecidos pelos holofotes da mídia e pelos governantes das super potências, começam a contabilizar as perdas e a projetar um futuro próximo de extremas dificuldades se não forem ajudados pelo capital financeiro internacional  e pelas pessoas de boa fé de todos os cantos do planeta.

Enquanto na copa que supervaloriza os "classificados" da competência ou da sorte, que passam de fase e garantem temporariamente as suas aparições "na vitrine da fama", como numa cena surrealista, os desclassificados da copa do infortúnio e do esquecimento, desfilam nas secas e tórridas savanas da África Ocidental, as suas "delegações" de famintos que portam bandeiras e faixas que identificam os seus países de origem e respectivos dramas sociais.

Mauritânia: atingido pela crise alimentar;

Mali: 629 mil pessoas não tem alimentação adequada;

Niger: oito milhões de pessoas em risco;

Chade: dois milhões de pessoas em risco;

Burkina Fasso: partes do país estão em risco;

Nigéria: norte do país atingido pela crise alimentar.

Segue-se ao mórbido desfile das delegações africanas, um depoimento e um dramático apelo de Caroline Gluck, representante da OXFAM no Níger: "Ontem vi uma mulher analisando pedregulhos ao lado de uma estrada, tentando achar grãos que poderiam ter caído de caminhões que transportavam ajuda humanitária". E conclui: "A África Ocidental não tem estado no topo da lista de prioridades dos países desenvolvidos. A questão agora é quantos de nós ainda temos que ver morrer até o mundo agir?"

Enquanto isso, na África do Sul, indiferentes ao SOS da África Ocidental, seguem as disputas em todos os níveis de interesses individuais e coletivos, onde cada um tenta garantir o seu "quinhão".