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Repensando percursos para refazer caminhos!



Em fevereiro, o Governo do Estado publicou a portaria 190/2024, que gerou polêmica, críticas e insatisfação entre a classe docente. Isso se dá, principalmente, porque para as/os docentes a portaria acaba por dificultar a reprovação de estudantes e, de certa forma, incentivar a aprovação em massa. Em seguida, em uma aula inaugural na cidade de Feira de Santana, o Governador do Estado da Bahia, Jerônimo Rodrigues manifestou “tristeza” ao ver professoras e professores reprovando estudantes e ainda afirmou que “a escola que reprova é uma escola autoritária, preconceituosa e não cabe na Bahia de Anísio Teixeira e Rui Barbosa”. Situações como essa impulsionam e requerem reflexões profundas sobre a atual situação da educação do Estado e os seus rumos. 

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2022, a Bahia registrou a maior taxa de evasão escolar do Ensino Médio do Brasil, registrando uma taxa de 11,7%. O módulo de Educação da PNAD Contínua do IBGE, em estudo divulgado em junho de 2023, indicou que o Estado também lidera o ranking nacional com maior número de jovens entre 18 e 24 anos fora de faculdades e universidades. Ou seja, 85% desses jovens estão excluídos do Ensino Superior, uma porcentagem superior à média nacional.

O professor e pesquisador Josemar da Silva Martins (UNEB - DCH III) percebe que o atual Governo do Estado da Bahia tem investido na transformação de escolas que já existiam e na construção de novas escolas numa estrutura robusta, equipada. Porém, há um atraso histórico que a educação estadual vem sofrendo há várias décadas. Nesse contexto, faz uma crítica pontual aos governos, inclusive de esquerda, pela falta de enfrentamento desse atraso que coloca a Bahia nos últimos lugares dos indicadores nacionais, por exemplo, de ensino de leitura, escrita, interpretação de texto e matemática. “E é bom lembrar que a média de aprovação na Bahia é 5 há muitas décadas, enquanto outros estados do Brasil têm média 7, e ainda assim temos aqui um índice grande de reprovação e de evasão”. 

Para a também professora e pesquisadora Edilane Carvalho Teles (DCH III - UNEB), é preciso considerar que houve alguns avanços no último ano, com um movimento progressista, na esfera Federal. Mas, pondera que a educação na Bahia vive um momento de crise profunda, acentuada pela pandemia, porém anterior a mesma. “É claro que essa crise não está relacionada ou é de responsabilidade apenas do Estado como governo. É de responsabilidade de todos nós, profissionais da educação, sociedade civil e Estado. Mas o Estado precisa também pensar em medidas pontuais e contínuas de políticas públicas para melhoria do que já temos”, afirma a professora. 

A pesquisadora ainda destaca alguns pontos críticos que tem corroborado para a crise na educação estadual. Entre eles, está a ausência de ações no período da pandemia, a demora das universidades para conseguir colocar em movimento as suas propostas formativas no período do ensino remoto, o descaso com a carreira de profissionais da educação, um excesso de projetos nas escolas sem um plano emergencial que defina prioridades, e as lacunas na formação no que se refere à apropriação da leitura e da escrita, acentuada também pelo excesso de tempo das pessoas em mídias e tecnologias. 

A integração e intersecções: Ensino Básico x Ensino Superior

Paulo Freire via a educação como um ato de integração entre os seres humanos e o mundo. A partir disso, é preciso considerar também, de forma integrada, as diferentes fases do percurso educativo. As universidades formam a cada ano centenas de professoras(es) que irão atuar na rede básica de ensino, além de promoverem uma série de projetos e ações de extensão na área da educação, buscando cumprir seu papel social.  

Edilane Carvalho Teles, pesquisadora da área de projetos extensionistas e Educomunicação, considera que a universidade precisa também se colocar no lugar da prática e da reinvenção de seu modo de interação com a sociedade civil através dos cursos que promove. A universidade é muito importante porque está preparando profissionais de ensino, mas também precisa fazer essa preparação olhando e dialogando mais com a realidade”, afirma a professora. Enfatiza ainda, que o redimensionamento, o entendimento e a construção de propostas para dialogar com as demandas reais daqueles que estão envolvidos diretamente nos projetos, envolve muito estudo e investimento na área de pesquisa. 

Nesse sentido, Josemar, que é pesquisador da área de Educação de Jovens e Adultos e fundador da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), afirma que a integração entre o Ensino Básico e o Ensino Superior é algo extremamente necessário e urgente. Mas pondera que isso só pode acontecer a contento e produzir algum resultado se essa articulação for dirigida para um diagnóstico de fragilidades e de problemas que permanecem no sistema de ensino e que precisam ser enfrentados.

Para o professor, a articulação entre Ensino Superior e a Educação Básica só vai se dar de forma eficaz se focada em questões que são cruciais para melhoria da Educação Básica. “Uma das coisas que acontece na universidade é a gente ter projetos individuais que só satisfazem o interesse individual do pesquisador. A gente não tem muita tradição de ter projetos de pesquisa em grupo focados numa solução, apesar da gente falar de metodologias ativas, pesquisa ação, pesquisa participante, de manejarmos a base teórica nos nossos textos, do ponto de vista prático a gente não faz isso”, reflete. 

Essa conexão e integração real a que se referem as/os docentes só será possível, na perspectiva de Edilane se a universidade for considerada como um lugar importante para repensar essas questões e se as políticas estaduais e federais concederem condições para isso e não uma política de destruição como vinha acontecendo nos últimos seis anos, com exceção de 2023. Em relação a essas políticas públicas, a professora diz que há uma expectativa de um diálogo maior com os governos de um investimento mais respeitoso com a população. “A gente não pode ver estudantes da educação básica pública sem conseguir os lugares que lhes é de direito, de acesso ao ENEM e de superação nesses exames, de acesso à universidade. Ainda não temos vagas para todo mundo e para isso é preciso uma educação de mais qualidade”, enfatiza a professora.

Caminhos possíveis: rumo à “educação que queremos”

Uma educação democrática, pública, de qualidade, acessível e diversa é o que as lutas docentes têm pautado incessantemente. Mas de que forma avançar nesse sentido? “Para pensar o futuro é preciso olhar para trás e perceber as lacunas que foram deixadas”, afirma a professora Edilane Carvalho Teles. Ela destaca importantes pontos a considerar, entre estes, que a universidade precisa estar dentro dos contextos, espaços escolares, instituições de ensino, educação e da realidade; que não é mais possível conceber que o problema da alfabetização de crianças e jovens e adultos ainda não tenha sido superada e pensar políticas de alfabetização reais; que é preciso pensar e colocar em prática a formação continuada e a qualificação dos profissionais de forma mais efetiva; e que é necessário criar políticas públicas que possibilitem e incentivem os profissionais da educação para que estejam cada vez mais comprometidos com seu papel.
 
Josemar da Silva Martins, que atualmente também tem pesquisado sobre dificuldade de aprendizagem, especialmente de alfabetização e letramento, destaca que, para uma educação cada vez mais qualificada, crítica, democrática e acessível, as escolas devem se tornar mais interessantes, diagnosticando de fato os motivos dos altos índices de evasão, podendo criar linhas de financiamento de pesquisa dedicadas a isso. Além disso, os jovens precisam ser bem preparados, caso contrário, irão continuar sendo excluídos. “Sem isso estaríamos fingindo que estamos incluindo, ou seja, estaríamos fazendo a manutenção da exclusão, fingindo que estamos promovendo a cidadania. Estaremos promovendo a precarização da cidadania, a precarização da participação cidadã”, afirma o professor.
 
No campo das políticas públicas, ele afirma que há uma falta de escuta, de discussão real das instâncias do poder daqueles que ocupam os cargos de gestão. Em sua visão há um “encastelamento” dessas pessoas e, com isso, uma falta de crítica e autocrítica para gerar políticas públicas que de fato atendam as necessidades de desenvolvimento e melhorias da educação. “Falta ouvir os próprios professores, os profissionais, as universidades, e falta produzir soluções focadas na articulação entre ensino superior e educação básica”, pontua o professor.

Acolhimento, investimento, continuidade e respeito

Refletir sobre as intersecções e qualidade do Ensino Básico e do Ensino Superior no Estado requer um olhar aprofundado e diverso sobre o processo educacional. “Agora vem essa Portaria recente do governo, com um conjunto de soluções para promover a ampliação da aprovação na Bahia, mas ainda acho que tem muitos equívocos naquilo ali. Porque não se trata de você simplesmente eliminar a reprovação, se trata de você garantir que os alunos aprendam para, de fato, serem promovidos, sabendo que eles deveriam saber”, critica Josemar da Silva Martins. 

Nesse sentido, a professora Edilane Ferreira destaca a necessidade de acompanhamento real do que de fato está ou não sendo construído, considerando a continuidade do processo de aprendizagem. Para ela, cada um dos segmentos de ensino tem deixado uma lacuna muito grande de aprendizado de conteúdos importantes, aparecendo ainda mais na escola pública onde percebe a maior presença da vulnerabilidade, da pobreza, da fome e de tantas outras problemáticas que impactam no processo de ensino e aprendizagem. 
Destaca ainda que os avanços necessários precisam também vir de dentro para fora das instituições de educação. “Ninguém ensina nada a ninguém, como dizia Freire, aprendemos juntos, e que seja em prol de uma educação melhor, em especial aqui no estado da Bahia que tem tanto potencial mas ainda muitas problemáticas a serem superadas”, complementa a professora. 

O Governador do Estado, defende uma educação acolhedora. Porém, a pauta docente do Ensino Superior estadual, por exemplo, em nada tem sido acolhida por sua gestão, mesmo após inúmeros intentos de diálogo e negociação. A professora Edilane destaca ainda que as estruturas das escolas e universidades são muito importantes para o acolhimento de estudantes, mas que, por si só, não são suficientes se não forem pensadas políticas de formação e se não houver respeito pelos profissionais da educação e às suas reivindicações. Para a coordenação da ADUNEB, o acolhimento deve ser integral. Sobretudo, que sejam acolhidas e acolhidos também trabalhadoras(es) da educação e suas reivindicações por melhores condições, garantia de seus direitos e salários dignos.