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O calvário de docentes aprovados no concurso público da UNEB, mas impedidos de assumir a vaga



Reportagem atualizada em 05/05/23, às 15h57

REPORTAGEM ESPECIAL - “Nós somos seres humanos, não somos um número de processo no TJ da Bahia, somos humanos sofrendo psicologicamente, economicamente, sem conseguir progredir” 

Revolta, indignação, problemas financeiros e adoecimento psíquico. Essa é a tônica do atual momento de inúmeros docentes aprovadas/os no concurso público da UNEB, com resultado homologado em 1º de julho do ano passado, mas que até hoje são impedidos de exercerem suas funções. O concurso para 134 vagas, por determinação da Justiça, desde 06 de setembro do citado ano, está suspenso após uma solicitação do Ministério Público da Bahia (MP-BA) devido a denúncias de possíveis irregularidades na seleção. 

O certame era de provas e títulos, destinado a professoras/es, na Classe de Auxiliar, Nível “A”, realizado por meio do Edital nº 034/2022. Por causa das denúncias, a ação civil pública ajuizada pelo MP-BA na 5ª Vara da Fazenda Pública, suspendeu todo o concurso independente se a banca examinadora teve suspeita de irregularidade ou se a seleção ocorreu de maneira regular. 
 
Docente da área de Matemática, Francisco de Paula Santos de Araújo Júnior, é um dos aprovados no concurso e que sofre prejuízos emocionais e financeiros. Morador do Norte do Piauí, ele foi aprovado na UNEB de Barreiras, cerca de 1.500 km de distância de sua antiga cidade. Como houve a convocação pela universidade, pediu demissão das faculdades particulares em que lecionava e mudou-se para o município de Corrente, cidade vizinha a Barreiras com menor custo de vida. Desde então, impedido de trabalhar, as contas e dívidas se acumulam, estando todas sob a responsabilidade de sua esposa. Eles possuem três filhos, Francisco ainda cuida de sua mãe e pagava a faculdade da irmã. 
 
Além do impacto financeiro, Francisco de Araújo também sofre problemas psicológicos. “Eu sempre fui ansioso, e isso tudo gerou um nível de ansiedade ainda mais grave. Precisei de acompanhamento psicológico, uso de medicamentos. Onde está a justiça para quem fez as coisas corretas que estavam no edital do concurso? ”. O professor ainda complementa o desabafo: “Nós somos seres humanos, não somos um número de processo no TJ da Bahia, somos humanos sofrendo psicologicamente, economicamente, sem conseguir progredir”.
 
Segundo informações do MP-BA divulgado à imprensa em 09.09.2022, a suspensão do concurso teria como objetivo “assegurar a preservação do patrimônio público e da moralidade administrativa, valores cuja tutela lhe foi entregue, exatamente por transcender a individualidade dos cidadãos, evidenciando o interesse social na sua proteção”.
 
Angústia
 
Também aprovada no concurso, a professora de Língua Inglesa na educação básica e no ensino superior, Tassila Ferreira Valle Guimarães, também relatou as dificuldades. “Após ser aprovada para dar aula no Campus de Santo Antônio de Jesus, pedi redução de carga horária da educação básica de 40h para 20h, a fim de estar apta a assumir. Estou vivendo há 10 meses abaixo da minha renda. Como se não bastasse o impacto financeiro, fui diagnosticada com depressão, sendo obrigada a custear o tratamento com psicóloga e psiquiatra, que não são cobertos pelo plano de saúde. Mudei minha vida para fazer caber a UNEB. Até agora, este lugar foi preenchido com angústia, espera e incertezas”, afirmou Tassila Guimarães.
 
Autonomia e razoabilidade
 
Docente substituta no Campus da UNEB de Juazeiro, Rosane Santana é mais uma das aprovadas no concurso que demonstra enorme indignação. Afirma que sua banca ocorreu de maneira idônea, com examinadores do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. A professora ressaltou a necessidade da autonomia da universidade e o respeito ao princípio da razoabilidade. “A decisão da justiça prejudica toda a UNEB, a multicampi tem uma importância enorme nos municípios. Os departamentos são autônomos, independentes. Não faz sentido suspender todo o concurso. Se houver bancas com vícios, que esses problemas pontuais sejam corrigidos, mas não prejudicarem os 134 aprovados e toda a universidade”.  
 
Comissão de Docentes 
 
Após a suspensão do concurso pelo MP-BA, docentes aprovadas/os em todo o Estado, muitos desses da área de direito, organizaram uma comissão com o intuito de estudar a questão e tentar apontar alternativas para a solução. Aprovado para o Campus de Brumado, Raphael Leal, um dos representantes da comissão, afirmou que um grupo de advogados (*), após estudar amplamente a questão, fez solicitação de habilitação no processo judicial. Segundo Leal, apresentaram documentos produzidos pela comissão em que foi possível contestar todos os argumentos do MP-BA. “Mais recentemente o juiz da 5ª Vara entendeu por indeferir os nossos pedidos de habilitação ao processo”, explicou.
 
Posição da ADUNEB
 
O Coordenador Geral da ADUNEB, Clóvis Piáu, reafirmou a posição da seção sindical manifestada em nota, na terça-feira (02). A Seção Sindical defende a convocação imediata de todas/os as/os docentes aprovadas/os nas bancas em que não foram identificados problemas. Às demais, a expectativa é uma investigação com seriedade, com os rigores da lei, porém com rapidez. O professor ressaltou ainda a necessidade de valorização da UNEB enquanto instituição pública de ensino, presente direta ou indiretamente em mais de 400 municípios baianos proporcionando conhecimento, formação e desenvolvimento. 
 
Patrimônio do povo baiano, presente em mais de 400 municípios
 Luta por concurso público
 
Sobre o concurso público em questão oferecer um quantitativo de 134 vagas, no entendimento da ADUNEB, embora tenha sido um avanço, a luta pelo aumento do quadro de vagas precisa continuar. O Governo do Estado ficou mais de nove anos sem realizar concurso público, fato que desencadeou enorme demanda reprimida. A ADUNEB busca informações sobre a real quantidade de vagas necessárias para suprir a carência do quadro docente. 
 
Embora os dados estejam defasados, para que se possa ter uma noção, em uma nota técnica elaborada pelo então coordenador da CODES, Nildon Pitombo, em 21 de setembro de 2014, a estimativa era que para o ano seguinte a UNEB necessitaria um total de 420 vagas; divididas em 120 para auxiliar, 175 para assistente, 100 para adjunto, 10 para titular e 15 para pleno. Em 2016, segundo a nota técnica da CODES, mais 95 vagas seriam necessárias, divididas em: 20 para auxiliar, 35 para assistente, 20 para adjunto, 10 para titular e 10 para pleno. A nota técnica foi entregue por Pitombo ao Fórum das ADs. A Coordenação do Desenvolvimento do Ensino Superior (CODES) é um extinto órgão que pertencia à Secretaria Estadual de Educação.
 
Procurado pela reportagem da ADUNEB, em 28 de abril, até o fechamento dessa reportagem, o MP-BA não havia se manifestado. Em nota publicada no site da universidade, em 28 de março, a Reitoria da UNEB afirma que “está em processo de diálogo junto à Promotoria de Justiça de Proteção da Moralidade Administrativa do Patrimônio Público da Capital, com o objetivo de atender a todos os questionamentos tratados na Ação Civil Pública n° 8131446-26.2022.8.05.000, que tramita na 5ª Vara da Fazenda Pública de Salvador”. A nota afirma ainda que “a universidade informa também que segue empreendendo os esforços necessários para a manutenção do resultado do concurso público”.