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Governo Bolsonaro: MP da Morte e as lições dos vírus



 Em 1997, em momento de tensão acerca das bolsas de valores, o jornalista Josias de Sousa apresentou um questionamento sobre em que medida os interesses que movimentavam a bolsa eram da/o cidadã/o. Ilustrava com um episódio em que a TV exibia o presidente Bill Clinton recepcionando o seu colega chinês, Jiang Zemin, que visitava os EUA e, de súbito, as câmeras concentraram-se no Presidente do Federal Reserve, falando sobre o crash mundial das bolsas, subvertendo a hierarquia.


O jornalista apresentava a questão: quem pode mais, o Estado ou o sistema financeiro internacional, esse fantasma do capitalismo globalizado? E concluía de forma enigmática para os nossos dias: sob os efeitos da globalização, um vírus inoculado na Bolsa de Hong Kong espraia-se pelo mundo.

Os países ocidentais intensificavam a implantação de políticas, tendo como pano de fundo a famosa frase de Ronald Reagan: "O Estado deixou de ser solução, para ser problema”. Para redução do tamanho do Estado, com destruição dos serviços públicos e retirada de direitos das/os trabalhadoras/es, definiu-se as/os servidoras/es públicas/os e os sindicatos como inimigos. Esse lema, infelizmente, permeia a mentalidade de autoridades e de parte da sociedade civil.

Hoje, um novo vírus veio da China e espraia-se pelo mundo, desta vez trazendo a lição oposta. A expansão da esfera privada em detrimento da esfera pública, com base na tese da ineficiência do Estado em contraposição à propagada eficiência do mercado cai por terra. O coronavírus ensina que para preservar vidas, o Estado é essencial. Até os organismos internacionais que disseminaram as ideias neoliberais, a exemplo do Banco Mundial, estão sendo obrigados a reconhecer. 

Necropolítica em Curso

Demonstrando que o mercado é responsável pela sujeição do ser humano à "ditadura" da rentabilidade econômica, alguns empresários brasileiros fizeram declarações toscas sobre as possíveis mortes de brasileiras/os, subvertendo a hierarquia humanitária em que as vidas humanas valem menos do que os possíveis prejuízos do mercado. Justifica, portanto, a chamada MP da morte.

O conjunto de ações do governo Federal para combater os efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus vão na contramão de medidas protetivas do emprego e da renda que vêm sendo adotadas pelos principais países atingidos pela pandemia. Propõe corte nos direitos às férias, folgas, descanso dos profissionais da saúde tão assoberbados, e até a redução de salários e jornadas de trabalho em até 50%. Os mesmos poderão ter, como auxílio extra, a antecipação de apenas 25% do valor mensal do seguro-desemprego ao qual teriam direito se fossem demitidos. 

A ADUNEB repudia mais essa ofensiva do governo de extrema direita de Bolsonaro à classe trabalhadora. Seguindo o modelo ultraliberal, mais uma vez, o prejuízo recai sobre os ombros da/o trabalhadora/o, condenada/o agora a ser infectado com coronavírus, ver sua vida destruída pelo acúmulo de dívidas ou morrer de fome.

Por último, o Presidente da República conclamou a nação, de forma insana, a não seguir as medidas sanitárias adotadas em todo o mundo, revelando o seu fundamentalismo mercadológico. Chega próximo de um projeto de extermínio de parte da população, cujas condições de vida e de saúde poderiam implicar em algo muito além de uma “gripezinha”. O conjunto dos fatos corresponde a, literalmente, levar à fome, à doença e à miséria a milhões de famílias brasileiras. A intensificação da necropolítica em curso no país.

MP da Morte

A cláusula da Medida Provisória que autoriza a livre negociação entre contratante e contratado é, também, mais um ataque às representações sindicais e entidades de classe, pois busca inviabilizar o papel histórico e fundamental dos sindicatos em defesa da classe trabalhadora.  

Ao propor, assim como aconteceu na Reforma Trabalhista, que o negociado sobreponha o legislado, além de fragilizar as/os trabalhadoras/es pelo evidente desequilíbrio na correlação de forças, ainda desrespeita a Organização Internacional do Trabalho, em sua Convenção nº 98, que defende as convenções e acordos coletivos de trabalho.

Sem demonstrar predisposição para proteger as/os inúmeras/os trabalhadoras/es mais vulneráveis, sem contratos de trabalho, aqueles a quem venderam a ideia de serem “empreendedores da era digital”, por exemplo, o Governo não cobra a cota de sacrifício do mercado. Teria como alternativas taxar as grandes fortunas, cobrar as dívidas dos bancos e das grandes empresas e não pagar a dívida pública durante o período de calamidade e de recuperação do país.

Assim, em tempos de coronavírus e de muita indignação, concluímos com uma respeitável autoridade da área científica das humanidades (hoje desprezadas pelo MEC), Emir Sader: 
“Quem prega a retomada do crescimento econômico, que precisa da garantia dos seus direitos sociais, quem quer o Brasil com uma política externa soberana, demanda mais Estado, menos liberalismo econômico. O mundo foi menos injusto, quando foi menos liberal. Quem precisa do Estado é a grande maioria, relegada e excluída pelo mercado. Menos Estado favorece a especulação financeira, a recessão econômica e a exclusão social. Democracia social, econômica e política só podem existir com um Estado regulador, que legitimamente representa a toda a sociedade, com governantes legitima e democraticamente eleitos (leia aqui) (Emir Sader).

Agora que os inimigos mostraram suas faces, ainda que estejamos isoladas/os socialmente, bradamos em alto e bom som: só a união faz a força! Vamos vencer, juntas/os essa guerra contra o coronavírus e seus aliados.