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Ausência de leis trabalhistas faz da quarentena um privilégio de classe



 A lição que vem da China mostra que a quarentena é uma das maneiras mais eficazes de contenção do coronavírus. Mas a pergunta feita neste momento é quantas/os trabalhadoras/es podem efetivamente fazer o isolamento social?

Além dos milhões de brasileiras/os sob contrato CLT, que possuem contas a apagar, e também não podem deixar os postos de trabalho, a exemplo de quem atua nas áreas operacionais das indústrias e no setor de serviços, ainda existe o segmento de trabalhadoras/es informais. Segundo o IBGE, em 2019, o índice de pessoas com trabalho informal superou 50% em onze estados brasileiros. Desses, a Bahia ocupa o 6° lugar no ranking com 54,7% de trabalhadoras/es na informalidade. Tais índices encontram-se acima da média nacional de 41,1%.

Porteiro de prédio em Salvador e pai de três filhos menores de idade, Jair de Jesus Bispo acorda às 5h da manhã. Para entrar no trabalho às 7h, sai do Bairro da Paz, pega dois ônibus e um metrô até a Federação. Ele afirma que os coletivos estão mais vazios, mas o metrô continua lotado, o que já configura maior risco de contrair o Covid-19. Jair tem a mesma profissão da primeira pessoa que foi à óbito no Brasil pelo coronavírus. Com olhar triste, quando perguntado sobre o risco de contrair a doença, Jair diz que usa álcool gel no trabalho e se apega em orações. O medo de perder o emprego supera o temor de contrair a doença.

Rosilene Santos da Hora também depende de transporte coletivo público. Ela é manicure e atende nas residências das clientes. A remuneração é para, junto com o marido pedreiro, pagar as contas do mês. Sobre a necessidade de trabalhar comenta: “Estou entre a cruz e a espada. Gostaria de ficar em casa, mas preciso trabalhar para ajudar a complementar a renda. Se me chamarem eu vou”. Apesar da disposição ao trabalho, desde a última quinta-feira (18) sua agenda está em branco devido aos cancelamentos das clientes.

Sem proteção

O que leva o porteiro Jair e a manicure Rosilene a arriscarem suas vidas, além da condição financeira, é a ausência de leis trabalhistas que os protejam. 

Nesta noite de domingo (22), o presidente Bolsonaro publicou a Medida Provisória que permitia o empregador dispensar seus contratados, sem salários, por quatro meses. Segundo o texto, a negociação individual prevaleceria sobre as leis trabalhistas e acordos coletivos. Ainda que o presidente tenha sido pressionado a revogar o dispositivo de suspensão de salários, o episódio evidenciou a tendência desse governo, bem como o seu nível de perversidade. Além disso, o trabalhador é prejudicado pela Reforma Trabalhista, que foi sancionada em novembro de 2017 com o falso pretexto de gerar empregos. Essa reforma (Lei 13.469/17) do governo Temer teve como resultado o corte de direitos dos trabalhadores e o enfraquecimento dos sindicatos. 

Para fragilizar ainda mais a classe trabalhadora, atualmente o Congresso Nacional encaminha a aprovação da Medida Provisório 905 (leia mais). Conhecida como “Contrato Verde e Amarelo” a norma vai aprofundar o corte de direitos trabalhistas. Segundo o Dieese, gerará também uma renúncia fiscal de cerca de R$ 10,6 bilhões em apenas 5 anos. É a prova de que, mesmo com a pandemia, o governo continua beneficiando os empresários em detrimento das necessidades dos trabalhadores.

No intuito de proteger sua categoria, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas lançou a campanha “Cuida de quem te cuida! Proteja sua trabalhadora doméstica”. Por meio de um abaixo-assinado a entidade reivindica, entre outros itens, que os governos estaduais e federal criem um fundo emergencial para as trabalhadoras domésticas que foram demitidas ou impossibilitadas de trabalhar por causa do Covid-19. A assinatura virtual pode ser feita clicando aqui.

Consciência Social

No auxílio solidário aos autônomos, prestadores de serviço e trabalhadores informais, uma outra ação acontece voluntariamente pelo país. Pessoas com salários fixos e que a renda não é afetada pelo isolamento optam por continuar a pagar pelos profissionais contratados, mas permitindo que os mesmos permaneçam em suas residências. Professor da UNEB, do mestrado profissional em Saúde Coletiva, e da Fonoaudiologia da UFBA, Marcos Vinícius de Araújo, faz sua parte. “Seria muito difícil nossa diarista fazer uma quarentena se a gente não tomasse a iniciativa de seguir pagando o valor do serviço”. O professor explica que ela mora com um sobrinho de dez anos, a mãe de mais de 60 anos e uma irmã doente. 

Sem leis trabalhistas que respaldem os trabalhadores e sob um governo federal ultraliberal, o coronavírus avança. Abandonada à própria sorte, à base de álcool gel e oração, a grande massa trabalhadora brasileira segue arriscando a vida e dependendo da solidariedade do próximo. Como forma de resistência, segundo a coordenação da ADUNEB, é necessário recriar mecanismos de luta que continuem demonstrando a insatisfação da população com as políticas que enfraquecem o tão necessário setor público e favorecem as camadas mais abastadas da sociedade.

Até o fechamento desta matéria, na segunda (23), a Bahia possuía 57 infectados. A estimativa dos especialistas é que o ápice do contágio ocorra entre os meses de abril e maio.