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História mostra a luta secular das mulheres por respeito e visibilidade no espaço sindical



 ADUNEB aproxima-se da resistência das mulheres contra o machismo estrutural e o patriarcado 


Olhos desatentos talvez não associem a atual coordenação da ADUNEB, composta por sete mulheres, à história secular percorrida pelo movimento feminista e os desafios superados. No Dia Internacional da Mulher, a ADUNEB faz uma breve viagem pela história, mostra parte dos obstáculos, as superações, a luta contra o patriarcado e a invisibilidade imposta pelo machismo, inclusive no movimento docente. 
 
A luta das mulheres pelo direito a participar, em condições iguais aos homens, dos espaços decisórios de poder político ocorre há séculos. E nesse processo se engana quem acha que no ambiente sindical, que defende pautas progressistas, a realidade seja diferente.  
 
Os debates sobre as desigualdades entre os gêneros começaram a ganhar evidência em alguns países nos séculos XVIII e XIX. Mais precisamente em 1791, durante a Revolução Francesa (1789-1799), Olympe de Gouges, defendeu a criação da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, segundo o Cadernos de Formação - Mulheres: mundo do trabalho e autonomia econômica. Um ano depois, na Inglaterra, para cobrar direitos, Mary Wollstonecraft, lançou o livro Reivindicação dos Direitos da Mulher.  
 
A pesquisadora Lidia Falcón, na obra “Mujer y poder político”, mostrou que no movimento operário e sindical do século XIX, do norte da França, as mulheres só podiam opinar se apresentassem por escrito uma autorização dos maridos. No mesmo período, Estados Unidos, Inglaterra e França só aceitavam a sindicalização de mulheres se as mesmas tivessem salários equiparados aos dos homens, fato praticamente impossível naquele período.  
 
Dia Internacional da Mulher
 
No Brasil costuma-se relacionar o Dia Internacional da Mulher ao incêndio ocorrido na fábrica Triangle Shirtwaist Company, em Nova YorK, em 25 de março de 1911, em que morreram 125 mulheres. Contudo, de acordo com registros históricos, o primeiro dia mundial de luta das mulheres ocorreu dias antes da tragédia, em 19 de março do mesmo ano. Teve origem a partir de uma proposta feita pela feminista alemã, professora e jornalista, Clara Zetkin, em 1910, em um evento de mulheres, ao sugerir a criação de uma data anual que mundialmente desse visibilidade às reivindicações das mulheres trabalhadoras oprimidas nas fábricas.
 
 
Clara Zetkin (de branco) discursando para centenas de homens – Foto: Journée Internationale de la Femme
 
No Brasil
 
A história das mulheres brasileiras no sindicalismo está invisibilisada, em grande medida, pelo machismo. Muitas das informações e fatos são difíceis de serem obtidos. A reportagem recorreu a inúmeras fontes e muitas relataram as mesmas dificuldades em obter dados históricos. Vanderlay Santana Reina, na obra Mulheres no Movimento Sindical: o “avesso” da História, ressalta: “As investidas da repressão policial contra as organizações sindicais, a apreensão e/ou destruição de registros, explica a insuficiência de fontes documentais referentes aos sindicatos no passado, bloqueando a visualização da presença feminina na vida sindical”.
 
Na primeira década do século XX, no Brasil, as ligas e uniões dos trabalhadores, foram considerados os embriões dos sindicatos, de acordo com Cecília Sardenberg, no artigo “Mulheres e Sindicatos: Presença feminina no Sindtêxtil-Bahia nos anos 50”. O setor têxtil era conhecido pelo grande emprego da mão de obra feminina. E foi justamente nesse setor, em Salvador, com a forte participação das mulheres, que cinco fábricas têxteis ficaram em greve, em 1895, por três dias, por melhores condições de pagamento. Todas pertenciam à Companhia União Fabril da Bahia.
 
Primeira Greve Geral
 
Recorrendo novamente ao Cadernos de Formação – Unicamp / Cesit, observamos que a primeira Greve Geral brasileira, em junho de 1917, teve como origem a fábrica têxtil Cotonifício Crespi. Dos cerca de 400 trabalhadores/as a maioria era do sexo feminino. Entre as reivindicações estavam o aumento salarial, eliminação do trabalho noturno das mulheres e fim do assédio sexual sofrido pelas operárias. 
 
Greve em São Paulo (1917) Arquivo Edgar Leuenroth_Unicamp
 
Três meses antes, em março de 1917, na Rússia, também foram as trabalhadoras da indústria têxtil que realizaram paralisações. Esse foi o início dos protestos que culminaram na histórica revolução daquele país.
 
Em 1919, ocorre a primeira Greve Geral da Bahia. O principal ponto de reivindicação continuava ser o salário. O movimento expandiu até as fábricas do subúrbio ferroviário e foi considerado um sucesso do ponto de vista organizativo. As informações estão no artigo “Salvador dos operários: uma história dos operários da greve geral de 1919 na Bahia”, do professor da Uneb Aldrin Castellucci.
 
Apesar da historiografia contemporânea lentamente incluir no contexto histórico a participação das mulheres na luta sindical, devido aos séculos de invisibilidade, nota-se a dificuldade de dar ênfase ao protagonismo dessas mulheres. Quem são? Como atuaram no enfrentamento aos patrões?
 
Pioneirismo
 
Uma das sindicalistas do início do século XX, que teve sua luta reconhecida foi Elvira Boni de Lacerda. Nascida em Espírito Santo do Pinhal (RJ), em 1899, começou a trabalhar, sem remuneração, aos 12 anos, como aprendiz em uma oficina de costura. A jornada de trabalho variava entre 11h a 14h por dia. Adepta das ideias anarquistas e feministas, aos 20 anos, fundou a União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas. Teve o auxiliar das colegas Elisa Gonçalves de Oliveira, Carmen Ribeiro, Isabel Peleteiro, Noêmia Lopes, Aida Morais, entre outras. De acordo com Karla Silverol, no texto “Direito e feminismo. Abordagens sobre o feminismo”, o grupo denunciava a situação precária das mulheres nas fábricas. Três meses depois, a União das Costureiras organizou uma greve por melhores salários e jornada de trabalho de oito horas.
 
Elvira Lacerda_Arquivo pessoal Marcélia Valente
 
Professoras municipais de Salvador
 
Estudiosas como Ana Alice Costa e Nélida Conceição expressam a importância das mulheres sindicalistas na educação. Em janeiro de 1918, os professores da rede municipal de Salvador decidiram não começar o ano letivo. O movimento amplia-se e na Comissão de Convocação do Movimento quatro mulheres destacaram-se: Jovina de Castro Senna Moreira, Anna Moreira Bahiense, Jesuína Beatriz de Oliveira e Emília de Oliveira Lobo Vianna. Com a constituição da Comissão Central da greve foi incorporada a professora Sidônia Alcântara. Todas participavam ativamente das instâncias deliberativas, audiências públicas e das mesas de negociações. Além disso, utilizaram uma forma de luta inusitada: as cartas. Até então, restritas às manifestações privadas, as cartas vieram a público como instrumento de protestos, críticas ao governo municipal, denúncias das condições de trabalho e convocação da categoria, mas também em busca do apoio popular. 
 
Contagem e Osasco
 
Outros dois momentos políticos importantes do país, que evidenciam a invisibilidade feminina, foram as greves de 1968, nas cidades de Contagem (MG) e Osasco (SP). A pesquisadora Luanda Lima, ao apresentar seus estudos no III Seminário Nacional de Trabalho e Gênero, citou as duas greves como marcos da resistência no período da ditadura militar. Juntos, os dois movimentos dos setores de siderurgia e metalurgia colocaram em greve quase 25 trabalhadoras/es. Segundo Luanda, é possível observar a participação de mulheres dirigentes sindicais no período. Porém, novamente a reportagem não conseguiu chegar aos nomes e nem quais eram essas lideranças. A pesquisadora relata ainda que, na década de 70, “com o aumento da força de trabalho feminina, houve também um significativo aumento das mulheres sindicalizadas, índice que era superior ao aumento da sua participação no Mercado de Trabalho”. 
 
Novo sindicalismo e as pautas feministas
 
A partir do final da década de 70, período em que surge o “novo sindicalismo”, a partir das greves do ABC, as pautas sindicais incorporaram reivindicações das mulheres. Segundo a dissertação de mestrado da professora Élida Oliveira, com a redemocratização do país nos anos 80, o feminismo brasileiro entrou em efervescência. Grupos organizados passaram a reivindicar pautas sobre sexualidade, direito do trabalho e igualdade no casamento. Os grupos feministas começaram a interagir em movimentos populares, de associações de bairro e também sindicais. Foi a conquista desses novos espaços que possibilitou a criação dentro dos sindicatos e das centrais sindicais das comissões e secretarias específicas para as questões de gênero.
 
Margarida
 
Além de terem seus protagonismos negados, mesmo no novo sindicalismo, a luta contra a opressão continuou a ocorrer. Muitas lideranças pagaram com a própria vida. Esse foi o caso de Margarida Alves, que se tornou uma das mais conhecidas lideranças sindicais do país, assassinada em 1983. Ela era presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande (PB). A coragem de Margarida a fez mover mais de cem ações trabalhistas contra a usinas locais. Entre as pautas do sindicato estavam a contratação com carteira assinada, o pagamento do 13º salário e o fim do trabalho infantil no corte de cana. A tragédia deu origem a Marcha das Margaridas que a cada dois anos reúne, em Brasília, milhares de mulheres de todas as regiões do país. 
 
Marcha das Margaridas (2011). Foto: MST
 
Racismo sindical 
 
Se pelo fato de ser mulher a vida é dificultada nos sindicatos, imagine os desafios da negra e com baixa escolaridade? Foi justamente em 1983, ano do assassinato de Margarida Alves, que uma guerreira baiana iniciou na vida sindical. Creuza Oliveira é Presidenta do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas da Bahia e Secretária Geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas. Começou na profissão aos dez anos de idade. “Entrei para a militância após ter sofrido várias agressões”. Creuza afirma ter suportado assédios moral e sexual, espancamento e trabalhado sem remuneração. Como sindicalista diz ter sofrido novas ameaças de agressões físicas. Há 37 anos defendendo a categoria, ela desabafa: “O machismo e o racismo são muito fortes, inclusive dentro dos sindicatos. As pessoas não olham a profissão de doméstica como pertencente à classe trabalhadora”. 

Mulheres no Movimento Docente 
 
Depois dessa breve viagem pelo tempo, voltamos ao início da matéria quando foi mencionada a direção da ADUNEB. Ao analisar na história do movimento docente os cargos de liderança, particularmente da Associação dos Docentes da UNEB e do ANDES-SN, observa-se um processo semelhante ao histórico sindical machista do resto do país. 
 
O ANDES-SN, desde 1981 até a atualidade teve 20 presidentes/as. Desses apenas seis foram mulheres. Das primeiras oito gestões apenas duas professoras chegaram ao cargo de presidenta, sendo que a primeira foi Maria José Ribeiro (1984-1986).   
 
Na ADUNEB, ao computar desde a criação da ADOS - Associação dos Docentes da Superintendência de Ensino Superior da Bahia (SESEB), em 1981, o embrião da futura ADUNEB, entre presidentes, diretores e coordenadores gerais, o sindicato teve 18 lideranças. Dessas, apenas seis gestões foram comandadas por mulheres. A primeira foi na direção de 1995 a 1997, em que Rita de Cássia Rapoldi e Maria de Lourdes Mota dividiram as secretarias de Administração e Organização. Exclui-se aqui as comissões provisórias que foram necessárias em momentos em que o sindicato não conseguiu formar chapas para as eleições. 
 
A história recente da ADUNEB e os resultados das urnas na eleição mostram o reconhecimento e a importância das mulheres na luta sindical. Se no início da década de 80 os homens tinham predominância, a atual gestão do sindicato entra para a história como uma direção formada por sete mulheres. Sete professoras cientes de que seus passos vêm de longe, que carregam consigo a garra e a coragem das lutadores de outrora. Contra o patriarcado e o machismo estrutural elas rompem fronteiras e alicerçam o caminho para as novas gerações que continuarão a luta pela necessidade da reparação histórica da igualdade de gênero.
 
Coordenadoras da ADUNEB e professoras do movimento docente da UNEB
Ato Ele Não, de setmbro de 2018

Referências bibliográficas

III Seminário Nacional de Trabalho e Gênero. Associativismo, identidade e políticas de emprego e renda Práticas Invisíveis: o Movimento Feminista e o Sindicalismo no Brasil; Luanda de Oliveira Lima. Disponível em:

A memória na luta contra o trauma: significados da greve de Osasco em 1968 nas narrativas de trabalhadores; Marta Gouveia de Oliveira Rovai. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/1984-9222.2014v6n11p41 

Ação Sindical e a Questão de Gênero: um estudo sobre a participação das mulheres nas direções da Central Única dos Trabalhadores – CUT; Élida Franco de Oliveira. Disponível em: https://ppgcs.ufba.br/sites/ppgcs.ufba.br/files/elida.pdf  

ADUNEB: a trajetória de uma entidade nascida para lutar. Carlos Zacarias F. de Sena Júnior.

As mulheres na “Revolta dos Resiguinados”: a greve dos professores municipais de 1918. Ana Alice Alcantara Costa e Hélida Conceição. 
 
Conheça Margarida Alves, símbolo da luta das trabalhadoras do campo por direitos. Mayara Paixão. Disponível em: 

Direito e feminismo. Abordagens sobre o feminismo; Karla Paiva Silverol. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28300/direito-e-feminismo

Mulheres e Sindicatos: Presença feminina no Sindtêxtil-Bahia nos anos 50; Cecilia M. B. Sardenberg, Helyom Rogério Reis, Franscismeire Ferreira, Tatiana Bonfim. Disponível em: 

Mulheres no Movimento Sindical: o “avesso” da História; Vanderlay Santana Reina. Disponível em: http://www.ufpb.br/evento/index.php/18redor/18redor/paper/viewFile/1918/666 

Por um feminismo de baderna, ira e alarde. Disponível em: https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/por-um-feminismo-de-baderna-ira-e-alarde/ 
 
Salvador dos operários: uma história dos operários da greve geral de 1919 na Bahia; Aldrin Castellucci. Disponível em: https://ppgh.ufba.br/sites/ppgh.ufba.br/files/6_salvador_dos_operarios_uma_historia_da_greve_geral_de_1919_na_bahia.pdf