Convocação : Homenagem da ADUNEB aos mártires da Revolta dos Búzios
A resistência das populações negras que se manifesta nos dias atuais por inclusão, moradia, trabalho e contra todas as formas de violência institucionalizada, remonta aos tempos coloniais. Nesses mais de 500 anos de luta indígena, negra,feminista e popular, essas populações se manifestaram e se manifestam de diversas formas. Seja através de ações individuais, da organização quilombola ou dos diversos levantes e movimentos que visam à melhoria das condições de vida ou a ruptura com o sistema escravista colonial. Um desses “capítulos” da nossa história foi a Revolta dos Búzios de 1798, também registrada na historiografia oficial como Conjuração Baiana, Revolução dos Alfaiates ou Sedição de 1798. O movimento contestatório iniciou-se em Salvador no dia 12 de agosto daquele ano, quando onze cartazes apareceram afixados em diversos pontos da cidade anunciando o início de uma revolução.
Esses cartazes que foram denominados de “boletins sediciosos” ou “pasquins sediciosos”, mas que alguns pesquisadores contemporâneos preferem denominá-los de “papéis revolucionários” ou “manifestos pela liberdade”, causaram enormes preocupações às autoridades locais, tendo em vista anunciar que a revolução acabaria com a escravidão, tornaria o Brasil independente, e o mais grave: numa alusão direta ao rei de Portugal, afirmava que a revolução pretendia acabar com o poder do “indigno coroado” e proclamar a “República Bahinense”.
Os documentos ou “manifestos pela liberdade”, nitidamente inspirados nos ideais de igualdade e liberdade da Revolução Francesa de 1789 ou talvez na Revolta de São Domingos – atual Haiti, em 1791, onde os escravizados iniciaram um processo revolucionário que culminou com o fim da escravidão e a independência daquela colônia francesa, também anunciavam que a revolução deveria levantar a bandeira da liberdade e que “a liberdade consiste em um estado feliz, um estado de homens iguais”.
Diante de ousada atitude, considerada crime de “lesa-majestade”, o governador da Capitania Geral da Bahia imediatamente autorizou a abertura de investigações visando descobrir e punir o autor ou autores dos manuscritos e prováveis lideranças do movimento que anunciavam. Após diversas denúncias, acareações e interrogatórios, acusações e defesas que duraram cerca de sete meses, trinta e sete réus foram sentenciados, sendo que cinco deles, todos negros, condenados à pena de morte. Do movimento também participaram vários homens brancos e mestiços livres, alguns deles comerciantes, um cirurgião prático, um professor, alguns alfaiates, soldados, homens e mulheres livres e forras a exemplo de Ana Romana Lopes, Luiza Francisca de Araújo, Lucrécia Maria Gercent, Thomázia Francisca Vilela e Clara Maria de Jesus todos/as interrogados/os ou acusados/os de divulgarem “perigosas ideias francesas” na Capitania da Bahia no final do século XVIII.
O enforcamento de quatro, dos cinco sentenciados à pena capital ocorreu no dia 08 de novembro de 1799, na Rua da Forca, atual Praça da Piedade. João de Deus do Nascimento, Manuel Faustino dos Santos Lira, Lucas Dantas de Amorim Torres e Luiz Gonzaga das Virgens foram enforcados e em seguida seus corpos foram esquartejados e suas cabeças, pernas, braços e tronco espetados e expostos nas ruas da cidade de Salvador, para que servisse de exemplo àqueles que ousassem lutar por ideais de Igualdade e liberdade numa Bahia desigual e escravista. O quinto condenado à pena de morte, Luís de França Pires jamais fora encontrado, podendo ser executado por qualquer pessoa que o encontrasse, conforme estabelecia a sentença. Importante destacar que antes da execução dos quatro lideres da Revolta dos Búzios, outro homem negro, o escravo Antônio José, fora envenenado na cadeia pública da cidade em condições jamais esclarecidas.
A Revolta dos Búzios tem se constituído numa referência importante para as lutas do movimento negro contemporâneo tendo em vista o projeto de nação inclusiva que já projetava em 1798, semelhante ao que ocorre hoje, quando ainda lutamos por políticas públicas que promovam a igualdade racial em nosso pais, ainda marcado pelo racismo institucional, sobretudo na conjuntura política atual com a chegada da extrema-direita à Presidência da República.
É com regozijo que 220 anos após os mártires da Revolta dos Búzios saírem da Câmara e Cadeia Pública da cidade para serem sentenciados naquele ano de 1799, agora retornem, mesmo que simbolicamente, para serem homenageados pelos movimentos sociais naquele mesmo espaço, o atual plenário Cosme de Farias da Câmara Municipal de Salvador.
Prof. Antônio Cosme L. da Silva
Mestre em História Regional e Local - UNEB.
Pesquisador spbre a temática Educação e Relações anti-raciais.