Mulheres negras debatem os desafios em espaços de poder institucional
Uma roda de conversa que contou com o relato de dez mulheres, todas em espaços de poder institucional, marcou o debate sobre o enfrentamento ao machismo e ao racismo estrutural em seus ambientes de trabalho e ativismo. Promovida pela ADUNEB e pelo grupo de pesquisa CANDACES, a ação aconteceu em 17 de outubro, no Campus I da UNEB. O evento fez parte da programação especial do III Ciclo Internacional Mulheres Negras e Produção Epistemológica das Amefricanas.
As protagonistas da roda que compartilharam suas histórias de luta foram Joacine Katar, primeira mulher negra de origem africana recém-eleita ao parlamento em Portugal; Vilma Reis, socióloga e ativista dos Direitos Humanos; Ronalda Barreto, coordenadora geral da ADUNEB; Georgina Gonçalves, Reitora eleita da UFRB e não nomeada pelo Governo Federal; Marta Rodrigues, vereadora (PT) em Salvador; Rosane Vieira, atual diretora da UNEB do Campus de Conceição do Coité; Nilza Martins, profª da UNEB de Barreiras, presidenta eleita pelo PT em Barreiras, ex-vereadora e ex-vice-prefeita; Paulette Furacão, assessora parlamentar e ex-coordenadora da pasta LGBT da Secretaria de Justiça do Estado; e Creuza Oliveira, presidenta do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas da Bahia. A mediação foi da professora Marluce de Santana, da coordenação executiva da ADUNEB.
Os diálogos da roda ressaltaram que as mulheres negras travam uma luta cotidiana contra o preconceito, há séculos. Quando elas conseguem furar o bloqueio e conquistam postos de decisão, as tentativas de silenciamento se intensificam. Ainda mais difícil que ocupar os espaços de poder é permanecer nele. São nesses momentos que os setores da sociedade que fazem a defesa do status quo agem, sempre pautados no racismo, no machismo, no sexismo, na misoginia, na transfobia, entre outras atitudes discriminatórias. Ainda segundo as discussões, o enfrentamento necessário precisa ser feito por meio da coragem, articulação, e do apoio de entidades, coletivos e de vários segmentos dos movimentos sociais.
Georgina Gonçalves, Paulette Furacão, Marta Rodrigues, Joacine Katar, Nilza Martins,
Creuza Oliveira, Rosane Vieira, Ronalda Barreto, Vima Reis e Marluce Santana
As mulheres com experiência nos espaços de poder da política legislativa trouxeram exemplos que demonstram o quanto são sabotadas pelos representantes da estrutura vigente. Fatos como, por exemplo, os acontecidos com Marta Rodrigues e Nilza Martins, que tiveram o som de microfones e luzes cortadas durante falas no plenário ou o boicote a votações. Paulette Furacão, a primeira mulher trans da Bahia a assumir um cargo de gestão estadual, relatou a falta de estrutura para trabalhar. Joacine katar, que assume cadeira no parlamento português nesta semana, afirmou ser atacada por fake news desde a campanha eleitoral. “Eu não olho para isso como um ataque à minha pessoa individual. Olho como um ataque a tudo aquilo que eu represento, de um movimento feminista negro, interseccional, do movimento antirracista, das acadêmicas negras e africanas”, comentou a deputada.
No âmbito sindical, um espaço majoritariamente masculino, também ocorrem desrespeitos e tentativa de invisibilizar as mulheres. Ronalda Barreto, que faz parte da coordenação da ADUNEB, formada por oito mulheres, afirmou que desde a campanha questionavam a capacidade delas de gerir o sindicato. “Na nossa gestão temos manifestação de desrespeito com muita constância. Recebemos apelidos que são depreciativos, xingamentos, nos vinculam a imagens estereotipadas de mulher. Então nós sofremos bastante a violência simbólica”. A presidenta do Sindicato das domésticas, Creuza Oliveira, diz enfrentar os mesmos preconceitos. “Empregada doméstica não é vista como pertencente à classe trabalhadora”, comentou.
A realidade opressora, também nas universidades, foi trazida ao debate pelas docentes que ocupam ou já ocuparam cargos de gestão. Ex-Vice-Reitora e recentemente eleita democraticamente Reitora da UFRB, Georgina Gonçalves disse que a academia ainda é um espaço do poder masculino e branco. Lugar em que a discussão do racismo não é feita com intensidade e, se realizada, causa incômodo. Diretora do Campus XIV da UNEB, Rosane Vieira, acrescentou ao cenário de opressões a lesbofobia. Devido ao preconceito sofrido, além de focar suas ações na gestão administrativa, sentiu a necessidade de pautar também o debate sobre questões de gênero. A força para o enfrentamento veio da união das mulheres e do apoio dos coletivos e movimentos sociais.
Socióloga e militante dos Direitos Humanos, Vilma Reis, já atuou em vários espaços decisórios indo de professora da UNEB à ouvidora da Defensoria Pública da Bahia. Enfática, afirmou que, diante do atual cenário, não cabe a conciliação de classes, a resistência é a palavra-chave. Defendeu a intensificação da disputa pelos postos de poder e citou que um dos caminhos deve ser a valorização da representatividade. E, nesse contexto, propôs a tarefa às atuais lideranças: “Onde chegarmos temos que nos portar como dirigentes, pois formamos a resistência. Onde chegarmos somos modelo para as jovens mulheres negras”, finalizou a socióloga.