Cotas: A validação da autodeclaração e a garantia do direito
A partir deste ano, a Uneb instituiu a comissão de validação da autodeclaração para acesso de estudantes ao sistema de cotas. Embora existam polêmicas acerca do tema, especialistas compreendem que os processos de validação são ferramentas que ajudam a combater possíveis fraudes e garantir a seriedade e continuidade da política de cotas.
Criado em âmbito nacional por meio da Lei n° 12.711, em agosto de 2012, o sistema de cotas foi elaborado para ampliar as oportunidades sociais e educacionais no Brasil. O público alvo do programa são estudantes que cursaram, integralmente, a rede pública de ensino, que pertencem a famílias de baixa renda e autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
A partir da Portaria Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018, do Ministério do Planejamento, foi regulamentado o procedimento complementar à autodeclaração, conhecido como heteroidentificação. O objetivo foi garantir que os candidatos que ingressem pelo sistema de cotas, nas universidades federais, na administração pública direta e indireta, sejam realmente negros, sem distorções no processo de seleção. As instituições estaduais de ensino superior também passaram a adotar as comissões de validação, mas com autonomia e adequando às especificidades regionais.
Uneb
Neste ano a Uneb instituiu e regulamentou as Comissões Central e Departamentais de Validação da autodeclaração e demais documentos comprobatórios para acesso de estudantes ao sistema de cotas. A norma foi publicada em 19 de dezembro de 2018, do Diário Oficial do Estado. As comissões atuam na seleção do vestibular e no Sistema de Seleção Unificada do MEC (Sisu), das/os candidatas/os aos cursos de graduação, em consonância com a Resolução nº 1.339/18 Consu-Uneb e no Edital nº 105/18.
O sistema de cotas acontece na Uneb desde 2002, sendo a primeira universidade do Nordeste e segunda do país a instituir o programa que, por meio da Resolução nº 196 – Consu, segue critérios étnico-raciais, de recorte de renda e escolaridade.
Uma das coordenadoras da ADUNEB, Márcia Bomfim, do Campus IX - Barreiras, também faz parte da comissão de validação da autodeclaração da universidade. A professora explica que em 2018 foi ampliado o critério étnico-racial das cotas. “Além de negras e negros (pretos e pardos) e indígenas, também passaram a ser acolhidos ciganos e quilombolas. No critério de identidade de gênero acolhe travestis, transexuais e transgêneros. Na condição de deficiência acolhe pessoas com transtornos global de desenvolvimento e altas habilidades”, explica. Exceto as pessoas negras, todos os outros casos necessitam de uma declaração comprobatória de pertencimento étnico-racial ou laudo caracterizador de especialistas na área. Além disso, é preciso comprovar que cursou todas as séries do Ensino Fundamenta II e Ensino Médio, integralmente, em escolas públicas e ter renda familiar igual ou inferior a quatro salários mínimos.
A professora Márcia explica que no processo feito na Uneb, inicialmente, a comissão é responsável por uma abordagem de sensibilização dos estudantes. É explicado aos mesmos a importância dos processos identitários, o que é ser cotista, a responsabilidade em participar do sistema de cotas. Também é exibido um vídeo sobre o assunto. Ao final desse primeiro momento, a comissão fará a análise documental das/os candidatos (as) que se autodeclaram em condições de participar da seleção.
Também coordenadora da ADUNEB e integrante da comissão de validação, no Campus VIII - Paulo Afonso, a docente Elilia Camargo observa que o processo de sensibilização é um dos pontos positivos. “Durante a atividade os estudantes são levados a reflexões sobre a importância e a legitimidade das cotas para o ingresso de estudantes negros, indígenas, transexuais, transgêneros, ciganos, autistas e altas habilidades”.
Sobre as limitações da validação, Elilia afirma ser necessário ampliar ainda mais a discussão sobre cotas para negros/as, pois entre os documentos comprobatórios, há uma declaração de pertencimento étnico que o candidato preenche. Para a docente, apenas uma declaração pode não ser o suficiente para garantir o reconhecimento identitário. “Há confusões em fenotípicos que não respondem às questões da racialidade e são contrárias às existências daqueles que sentem na pele os preconceitos e discriminações”, comenta.
Apoio à autodeclaração e validação
Embora não se possa considerar o Movimento Negro como algo único, tendo em seu contexto uma rica diversidade de posições, de maneira geral, lideranças do movimento são favoráveis à autodeclaração e ao processo de validação.
Para Yuri Silva, coordenador geral do Coletivo de Entidades Negras, a validação tem o papel de combater possíveis fraudes e preservar a autodeclaração, que considera “o melhor instrumento de acesso às universidades”. Silva ressalta que as comissões precisam ser formadas por pessoas representativas, conhecedoras sobre a complexidade da questão e ligadas às políticas afirmativas. “A composição das comissões e a metodologia utilizada por elas são decisivas para o sucesso da validação”, diz a liderança do Movimento Negro.
Diante do atual contexto político do país, de retrocessos sociais e avanço da extrema direita, Yuri Silva ressalta que as fraudes na autodeclaração das cotas são exceções e não a regra. O posicionamento é importante para evitar que setores conservadores tentem distorcer o assunto e atacar os programas de políticas afirmativas. “Sempre há o risco da direita tentar distorcer nossas pautas, mas o que não podemos é deixar de garantir nossos direitos’, conclui Silva.