Notícias

Bolsonaro e a política de genocídio da população indígena



 Liderança indígena do povo Xokleng, o professor Marcondes Nambá foi espancado logo nas primeiras horas do ano novo, indo à morte dois dias depois. Ele deixou esposa e cinco filhos. O assassinato no município de Penha (SC) foi o prenúncio do que seria a realidade das comunidades indígenas do país, neste início do governo de extrema direita, de Jair Bolsonaro. O Presidente já começa a cumprir as ameaças à democracia e aos direitos humanos, realizadas durante a campanha eleitoral. 

No segundo dia do ano, Bolsonaro retirou da Funai a competência de demarcação das terras indígenas e quilombolas. A responsabilidade passou a ser do Ministério da Agricultura, órgão que historicamente representa os interesses do agronegócio. Especialistas na questão indígena afirmam que a medida tem a finalidade de fazer o desmonte da Funai e favorecer fazendeiros, mineradoras e empresas do agronegócio que exploram as terras para maximizar seus lucros.
 
Para o professor da Uneb, Francisco Alfredo Morais Guimarães, pesquisador e que também já atuou na Funai, a medida é uma afronta a diversos dispositivos legais da política indigenista. Além disso, fere instrumentos internacionais de proteção aos índios, como o Art. 6º, da Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Guimarães ressalta que a Funai possui uma “expertise técnica e atribuições únicas que fazem dela um órgão especialista no trato com a política indigenista”, atuando ainda em estreito vínculo com o Ministério da Justiça. 
 
Segundo informações da Funai ao site Brasil de Fato, atualmente 129 terras indígenas estão em análise e representam, aproximadamente, 11 milhões de hectares. A fundação existe desde 1967, quando o órgão substituiu o Serviço de Proteção ao Índio, de 1910.
 

Assassinatos no campo
 
O temor é que a ação contra a Funai intensifique os conflitos no campo, em todo o país. Segundo relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), divulgado em 2016, nos 13 anos anteriores havia ocorrido 891 assassinatos de indígenas. O mesmo Cimi informou que em 2016 foram mais 118 assassinatos. Em 2017, um total de 110. Somados, esses números mostram que em 15 anos ocorreu um assassinato de indígena a cada 4,8 dias. O número estarrecedor torna-se mais alarmante se acrescidos dos conflitos de outras comunidades que, também, possuem o direito à terra, a exemplo das/os quilombolas e das/os em trabalhadoras/es sem terra. 
 
Segundo o professor Guimarães, um fator que contribui para o aumento dos conflitos pela terra é que o trabalho da Funai, nas primeiras etapas de demarcação das terras indígenas, não foi efetivado nas instâncias superiores, em outros órgaõs do governo. Até os processos que não possuem nenhuma pendência ficam parados, sem a homologação e assinatura do Presidente da República.  Esse é o caso dos Tupinambá, na região de Olivença (BA), que possuem o processo de seus 47.376 hectares barrados no Ministério da Justiça. “Não existe mais nenhum problema administrativo ou jurídico que impeça a assinatura e a regularização daquele território”, explicou o docente. Por causa do impasse, em 2009 os Tupinambá tiveram suas terras invadidas e 35 foram assassinados, sem julgamento dos culpados.

Conflitos na Bahia
 
De acordo com o antropólogo e professor da Uneb, José Augusto Laranjeiras Sampaio, a imensa maioria das terras Indígenas na Bahia não está regularizada. Existem, atualmente, pelo menos seis processos importantes de demarcação não concluídos e que podem sofrer retrocessos com as novas políticas de Bolsonaro. Além dos Tupinambá de Olivença, temos os casos dos Tuxá, de Surobabel; Tumbalalá; e os Pataxó de Barra Velha do Monte Pascoal; Comexatiba e Coroa Vermelha. 
                                                                                                                                                                        Foto: Cimi / Poliane Janine
Protesto do povo Tupinambá na BR - 001, na região de Olivença - Abril 2018
 
As demarcações ocupam um espaço mínimo na Bahia. O professor Sampaio, que também é diretor da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anai), explica que se no estado, que possui uma extensão territorial de 56 milhões de hectares, todas as terras indígenas reivindicadas fossem demarcadas, elas chegariam a uma extensão de, no máximo, 500 mil hectares. Portanto, dificilmente chegariam a 1% do território do Estado.
 
Caminhos da resistência
 
O esclarecimento, a conscientização e a mobilização da sociedade brasileira em favor dos direitos indígenas são vistos pelo professor Sampaio como caminhos para a resistência. “Os direitos indígenas não favorecem apenas os indígenas, favorecem a todos nós por uma sociedade mais justa, por um país culturalmente muito mais rico, por uma relação mais equilibrada com o ambiente e os seus recursos e, principalmente, por uma exploração mais justa, racional e equilibrada dos nossos recursos naturais, o que também interessa muito diretamente à própria preservação de nossa soberania nacional”.
 
Desconstrução
 
Um ponto que o professor Sampaio considera fundamental na defesa dos povos indígenas é a atuação na desconstrução dos discursos, pautados em informações incorretas, contrários a essas comunidades. Um dos exemplos citados pelo antropólogo é a falácia de que os indígenas, por serem apenas 0,5% da população brasileira, já possuem muita terra. De todo o território indígena do país, 98,5% estão na Amazônia Legal. Nesse local, embora extenso, a densidade demográfica nas reservas indígenas é semelhante a do restante da população rural dos municípios em que estão inseridas. Para além da citada região, os territórios indígenas são mínimos. Um exemplo é o Mato Grosso do Sul, região com o maior número de conflitos de terra no país. Naquele local a população indígena é quase 20% da população rural do estado, porém, possui menos de 0,5% do território.
 
Execução

Enquanto essa matéria era produzida, na madrugada da sexta-feira (11), homens encapuzados dispararam dezenas de tiros sobre os barracos da comunidade Guarani Mbya da Ponta do Arado, em Porto Alegre. Embora ninguém tenha sido atingido, a ameaça é que se os indígenas não saírem nos próximos dias serão executados. As informações são do Cimi.