A GREVE, O MOVIMENTO DOCENTE E AS UNIVERSIDADES ESTADUAIS DA BAHIA
* Por Prof. Dr. Alan Sampaio
Professor de Filosofia da UNEB desde 1999 e membro do Comando de Greve do Movimento docente da UNEB 2024
A greve é o freio de arrumação do trabalhador.
Conquista histórica – e sempre contemporânea – do movimento proletário.
Seu instrumento mais radical e efetivo.
O simples fato de deliberar pela greve significa um grito, um grito de protesto contra os proventos reduzidos e condições de trabalho bem aquém do que encontramos em outras Universidades. As condições de trabalho em 2019 estavam completamente precarizadas. De novo, faltava de um tudo. Papel, tinta, espaço, restaurantes universitários. Coisas básicas. E já tínhamos enquanto categoria amargado perdas salariais significativas. Então começa a pandemia no início de 2020 e todos sabemos o que aconteceu. O governo do Estado da Bahia fechou as escolas e Universidades, e só retomou as atividades no fim do ano, quando o Fantástico (da Globo) denunciou. Mais direitos dos servidores foram usurpados. Nós tínhamos sim condições de realizar uma série de atividades formativas por mediação – a UFBA, por exemplo, ofertou um semestre já em maio, enquanto a UNEB só em novembro.
Um ano depois, voltamos para uma Universidade esvaziada, com políticas de permanência estudantil absolutamente insuficientes para o quadro de insegurança alimentar que encontramos entre os discentes. Faltam discentes – e docentes. (O concurso de 20222 nem de longe supriu a carência de docentes). Mais do que nunca, o docente da Universidade Estadual está assoberbado, porém, não é recompensado pelos trabalhos extras, ao contrário, sofre tributações maiores e sucumbe a burocracias para o gozo de direitos. É verdade que muitos de nós trabalharam com pesquisa e extensão, no período, por mediação tecnológica. Porém, como não exercemos a docência, impedidos pelo governo, durante quase a totalidade do ano de 2020, não tivemos forças para protestar antes de 2024.
A greve é nosso freio de arrumação, nosso grito. Foi somente agora, em maio deste ano, que o governo compôs a mesa de negociação com a categoria. O que mudou? A palavra “greve” apareceu. As quatro ADs decidiram por “estado de Greve”. Os docentes da UNEB deflagaram grave no dia 23/09, iniciada em 27/09/2024.
A seguir apresentamos um breve cronograma da greve, de suas pautas e conquistas – docente e das UEBAs – desde os anos 2000, ano em que criamos o FAD.
CRONOGRAMA DE GREVE
A greve de 2000 foi fundamental: instaurou a Mesa de Negociação com o Governo (Cesar Borges), pautando o plano de carreira e as perdas salarias, e criou o Fórum das Associações Docentes das Universidades Estaduais da Bahia (FAD / Fórum das ADs), com a participação das ADs das quatro UEBAs: Adusc, Adufs, Adusb e Aduneb. Nem sempre as quatro Associações fizeram greves juntas. Isto não enfraqueceu o Fórum das ADs, senão lhe conferiu uma maturidade e uma força comum para a qual permanece inquestionada a soberania de cada AD.
Nenhum dos governos do Estado da Bahia pensou a UNEB, a UEFS, a UESC, a UESB. Fomos nós, docentes com técnicos e discentes, que concebemos a Universidade, que dedicamos nossas vidas à construção de um mundo que valorize as singularidades, o diálogo, o saber, o aprender, em um espaço democrático, acolhedor, que não se restringe nem à sala de aula nem a uma formação restritamente técnica. As Humanidades nos definem.
A greve de 2002 mudou o conceito de Universidade, graças ao Estatuto do Magistério Superior (Lei nº 8.352 de 02 de setembro de 2002), pensado pela categoria e conquistado na luta. Nele, consta o plano de carreira, graças ao qual a gratificação por titulação foi elevada de 20% para 40% para mestrado e de 30% para 60% para doutorado, foram criados os níveis A e B entre as classes, e a classe de Professor Pleno, que se segue às classes de Professor Auxiliar, Assistente, Adjunto e Titular. Também definimos o papel da Dedicação Exclusiva na constituição da excelência Acadêmica como regime preferencial de trabalho não limitado a vagas restritas (na verdade, entendia-se de modo equivocado como privilégio) e o incentivo de 10% à produção científica, técnica ou artística.
O conjunto de medidas implementadas como conquista docente, a partir do Estatuto, mas não exclusivamente, mudaram completamente as Universidades Estaduais da Bahia ao longo de duas décadas. As UEBAs realizam concursos, que selecionaram profissionais de todo o Brasil com currículos excelentes, os professores fizeram Mestrado e Doutorado, a EDUNEB se torna de fato uma Editora Universitária, muitas revistas acadêmicas foram criadas, concebemos novos cursos de graduação e de pós-graduações stricto sensu, com o que exorcizamos o fantasma que rondava a UNEB de perder o status de Universidade.
O Estatuto permitiu-nos pensar uma excelência que qualifica a política inclusiva que define especialmente a UNEB. Por outro lado, o fato de que docentes de vários departamentos, colegiados, campi distintos tenham se encontrado para pensar a UNEB como pauta de Assembleia Docente instituiu um caminho democrático necessário para se tornar uma Universidade inclusiva. Foi desta prática que, entre 2005 e 2006, a reitoria da UNEB, com o apoio da ADUNEB e do Sintest, realizou o desenho legal que vigorou até 2013, quando começa a ser precarizado com resoluções de gabinete.
Em relação à sua política de ação afirmativa, vale lembrar o que diz o Prof. Dr. Wilson Mattos em um artigo de 2010 (“2003 – O Ano do Começo”): “Desde 2003 com a implantação efetiva do sistema de reserva de vagas aos candidatos negros e, posteriormente, em 2008, com a extensão do sistema de reserva de vagas para as populações indígenas, ambas as decisões aprovadas através de resoluções específicas do Conselho Universitário nos anos de 2002 e 2007, respectivamente, a UNEB vem, gradativamente, se empenhando em promover a institucionalização das condições de permanência dos seus estudantes ingressos através das cotas de forma que eles tenham satisfatórias condições acadêmicas e econômico-sociais de se manterem nos seus respectivos cursos até a integralização dos mesmos.”
O movimento docente não deve se iludir, se uma vez lutamos pelas leis, conquistadas, de novo e de novo precisamos lutar para que se realizem os direitos. Os atos do governo operam sempre no sentido de precarizar o Estatuto. Assim, o governo age contra a Educação Superior na Bahia. Ela nunca foi sua prioridade. O modo que abordou as Universidades Estaduais foi estritamente vigilante e burocrático. Para suas parcerias, privilegiou as Universidades Federais.
Na verdade, há quase duas décadas o governo privilegia a área Segurança à Educação e Saúde. Não que qualquer governo do Estado da Bahia teve qualquer projeto sério, responsável e eficaz para a Educação pública. Mas é isso que esperamos – e reivindicamos de um governo de esquerda. Ser de esquerda significa antes de tudo trabalhar em prol da Educação das massas. Ao governo, mais importa armar os agentes da ordem do que formar profissionais ou criar Bibliotecas, Midiatecas, Institutos Culturais. Nossos desfiles cívicos de 7 de Setembro e 15 de Novembro são a vergonha aplaudida.
A greve de 2003, depois de três meses, e com cortes de salário, consegue a incorporação de 12 dos 40% da Gratificação Estímulo Atividade Acadêmica (GEAA) e avança o quadro de Dedicação Exclusiva como regime prioritário da Universidade.
A greve de 2005 foi prioritariamente por orçamento. A UNEB e as outras ADs estavam em condições insalubres de trabalho e aprendizado. Dentre as precariedades e acidentes mais extremos, houve o fato de uma funcionária do campus de Itaberaba morrer eletrocutada assim que saímos da greve, com a garantia de orçamento suficiente paras as UEBAs funcionarem, com aumento de salário e, importantíssimo, reiterou de modo contundente a pauta da incorporação das gratificações, de modo que em 2006 conquista a incorporação dos outros 28% da Gratificação Estímulo Atividade Acadêmica.
A greve de 2007, o então secretário da Educação Adeum Sauer acorda com a categoria o reajuste de 7%. Porém, depois de terminada a greve, o governo de Jacques Wagner descumpre o acordo com o argumento de necessidade de mudança dos parâmetros de cálculo.
A greve de 2011 foi difícil, com corte de salários. Apesar disso, a liberação da Dedicação Exclusiva e a retomada da mesa de negociação, que se encontrava travada, para a incorporação da Condição Especial de Trabalho (CET). Foi graças a essa mesa, e ao espectro da greve do Ensino Superior, depois de uma greve de 4 meses da APLB, que garantiram, em 2012, a incorporação integral dos 70% da CET e o aumento de 7% sobre o salário base.
Na greve de 2015, realizamos nosso ato mais radical. Ocupamos, docentes e discentes, a Secretaria de Educação por três dias, e arriscamos perder tudo. No começo da noite, camburões estacionam com suas sirenes ligadas em frente à SEC, dezenas de policiais fortemente armados descem deles e o Tenente Coronel nos diz educadamente que nós vamos sair, “por vontade própria, por entendimento, ou pela força, o que seria pior, e ninguém quer...”.
Nossos representantes, porém, sensibilizaram até mesmo o Tenente Coronel em relação à recusa do Secretário de Educação. Ele intermediou com governo a realização de uma reunião com o Secretário que atravessou a madrugada da mesma noite. Enquanto arrumávamos nossas coisas para desocupar a Secretaria, uma comissão acordou com o Secretário a extinção da lei 7176/97, reivindicação histórica, o que permitiu a instauração do processo de Estatuinte nas UEBAs, e a “concessão” de progressão, promoção e Dedicação Exclusiva.
Na greve de 2019, a estratégia de ocupação enfrentou primeiro as intempéries da natureza, quando uma chuva torrencial destruiu o acampamento em frente à SEC, e depois o pelotão de choque, quando nos dirigimos à SECTI, para nos abrigarmos da chuva. Fomos conduzidos no ônibus da PM para o campus do Cabula. Conquistamos a liberação da fila de progressão, promoção e Dedicação Exclusiva, mais uma vez. Lutamos para garantir minimamente nossos direitos!
Em 2024, nós relembramos que o dilema da educação das massas está entre a “domesticação” e a libertação, e a “opção por uma sociedade que se ‘descolonize’ cada vez mais” começa com uma “postura de autorreflexão e de reflexão sobre seu tempo e seu espaço”, é preciso construir um discurso crítico daqueles que cooperam com a manutenção da alienação, “que deixam em cada homem a sombra da opressão que o esmaga”, como disse Paulo Freire.
O esforço para Frantz Fanon está em traçar um programa de descolonização, para a destruição do mundo colonizado, “um mundo cindido em dois”. A politização das massas enquanto abertura do espírito de que falam Fanon e Freire, “é despertar o espírito, dar à luz o espírito. É, como disse Césaire, ‘inventar almas’”: “Ser responsável num país subdesenvolvido é saber que tudo repousa definitivamente na educação das massas, na elevação do pensamento, no que se chama um tanto precipitadamente politização”.
Com isso, convidamos os colegas docentes, os técnicos, e discentes da UNEB e das outras ADs a terem ciência de nossa pauta de reivindicações, e a participarem dos atos. Os Atos são nossa expressão de força.