Notícias

“Violência contra a mulher é inerente ao capitalismo”, diz diretora do ANDES-SN


Por Najla Passos
ANDES-SN

Mesmo sendo considerada pela Organização das Nações Unidas – ONU uma das três leis mais avançadas do mundo para a proteção das mulheres, a Lei Maria da Penha, em vigor há 3,5 anos, não conseguiu acabar com a violência contra a mulher no Brasil.

O diagnóstico unânime permeou os debates ocorridos durante o seminário “Lei Maria da Penha: Avaliação e Perspectivas”, promovido pela Associação dos Servidores Técnicos em Transporte e Segurança do Ministério Público da União - ASSTTRA-MP e pela Associação dos Servidores do Ministério Público Federal – ASMPF, com o apoio do ANDES-SN e outras entidades.

“O fim da violência contra a mulher só se dará com o fim da sociedade capitalista, pois esta sociedade gera e alimenta a violência, de várias formas, a partir do princípio que a sustenta, que é a apropriação desigual das riquezas, naturais e culturais. Por isso, para o ANDES-SN, a luta pelo fim da violência contra a mulher perpassa questões de gênero, de raça e, fundamentalmente, de classe”, afirmou a professora da Universidade Federal da Bahia – UFBA e 1ª vice-presidente da Regional Nordeste III do Sindicato Nacional docente, Maria Cecília de Paula Silva.

De acordo com ela, que participou da mesa “A importância da Educação para o fim da violência”, a sociedade brasileira define os papéis que devem ser socialmente desempenhados por homens e mulheres a partir de uma ideologia machista.

“A mulher ainda é educada para ser obediente, para o privado e para o assistencialismo. Não por acaso, ocupa poucos postos de destaque no mercado de trabalho e recebe, em média, 30% a menos do que homens, ainda que tenha formação superior”, revela.

Ainda conforme a professora, a escola, a mídia, a família e muitas outras instituições brasileiras ainda educam a mulher para aceitar a violência como natural, pois a educação que prevalece como hegemônica está permeada pela ideologia burguesa, branca e machista.

Educação para a liberdade
A professora acrescenta que, neste contexto, a educação é fundamental, principalmente se for seguida por uma política social que afirme e amplie os direitos das mulheres. Entretanto, é necessário que seja uma educação que aponte para a liberdade e que atue para superar o capitalismo. “Não é possível conceber uma educação libertadora em uma sociedade marcada por um sistema de governo que só oprime”.

Maria Cecília lembra que a Lei Maria da Penha, promulgada em 22/09/06, aumentando o rigor das punições às agressões contra a mulher, no âmbito familiar e doméstico, é uma conquista dos movimentos que lutam pela igualdade no tratamento entre homens e mulheres e pelo fim da opressão contra a classe trabalhadora.

“Essa lei não veio de graça, não nos foi dada. É resultado de uma longa luta. Apesar de toda esta história de opressão contra as mulheres, nós sempre nos revoltamos, nos rebelamos, fugimos desta situação tentando fazer diferente, como no caso da mulher que cede seu nome para esta Lei, a Maria da Penha. Assim, temos que continuar lutando pela emancipação, não só da mulher, mas de toda a humanidade, e nesta, uma luta por uma formação humana e educação emancipada”.

Hegemonia masculina, branca, heterossexual e letrada
Professora da Universidade de Brasília – UnB, Denise Botelho, reforçou que o topo da pirâmide social brasileira é formado por homens brancos, heterossexuais e letrados. Em contrapartida, na base, estão as mulheres negras e analfabetas.

“A escola se fundamenta numa cultura machista e eurocêntrica. Práticas racistas, sexistas e homofôbicas podem ser verificadas por crianças da mais tenra idade. É preciso pensar o ambiente escolar com o espaço privilegiado para a educação para a diversidade”, defendeu.

Segundo ela, a sociedade brasileira teima em não admitir o preconceito contra a mulher, assim como não o admite contra o negro. “No ambiente escolar, inclusive, uma situação constante é a utilização de mecanismos para minimizar o problema, como a difusão de pensamentos do tipo ‘o preconceito racial não existe, os negros é que se sentem perseguidos’ ou então chamar um menino de ‘mulherzinha’, na tentativa de depreciá-lo...”.

Questões técnicas
A coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – MPDFT, a promotora Laís Cerqueira Silva, considera que a Lei Maria da Penha ajudou muito no combate à violência contra a mulher, mas sua aplicação correta ainda esbarra na falta de compreensão de muitos operadores do direito, incluindo juízes, promotores e defensores públicos.

“A Justiça reproduz a sociedade, que ainda acredita naquele valho ditado popular que diz que em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. É por isso que, principalmente no aspecto punitivo da Lei, não conseguimos avançar muito. A resistência dos operadores do direito ainda é muito grande. Nos tribunais superiores, argumentos em favor da ‘harmonia do lar’ ou da ‘autonomia do desejo da mulher’ impedem a aplicação correta da Lei Maria da Penha”, esclarece.