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PEC 159/2020: o triunfo da violência sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos



*Edmilson Blohem 

Todos que não estiveram na Assembleia Legislativa da Bahia na noite de 31.01.2020, mas assistiram aos noticiários das TVs locais no dia 1º de fevereiro, puderam ver algumas das imagens da barbárie que se tornou a ALBA na noite da última sexta-feira – ainda que o conteúdo da matéria tenha sido distorcido para no final colocar o público contra os servidores públicos, ao passar a impressão de que os verdadeiros oprimidos eram, naquele momento os agressores. Mas a população já não é mais facilmente engabelada. Saberão interpretar que jamais profissionais da educação, da saúde, da justiça, da fazenda, da Administração dentre outros – seriam páreo para os armados policiais militares - e da tropa de choque -, colocados lá para permitir, a todo custo, a aprovação da reforma. Os únicos na ALBA que portavam armas, cassetetes, spray de pimenta e gás lacrimogênio eram policiais, enviados por seu comandante maior, o governador do Estado. 

As imagens levarão um bom tempo nas mentes dos baianos e, principalmente, dos servidores públicos - principais vítimas das violências perpetradas por um governo eleito como governo do "trabalhador". De modo que para aprovação da PEC 159/2020 não foi poupado nenhum elemento do aparato repressivo do Estado para com os servidores públicos, aposentados e pensionistas.
 
Mas a violência não começou ali! A primeira violência foi a ocupação dos meios de comunicação em massa e das redes sociais, pelo governador do Estado, para jogar a população contra os servidores públicos, como se eles fossem os responsáveis pela má gestão do Regime Previdenciário do Servidor do Estado. Mas nas suas entrevistas o Exmo. Governador se esqueceu de dizer que quem escolhe as diretrizes, as políticas da pasta e a Diretoria Executiva, para gerir os fundos previdenciários dos servidores públicos estaduais é o próprio Governador do Estado. Portanto, os resultados positivos ou negativos são de responsabilidade dos governadores – deste e dos que o antecederam -, mas nunca dos servidores, dos aposentados e pensionistas. 

A segunda violência,  pautada por mentiras, foi a falsa justificativa para aprovação da PEC a toque de caixa e o conteúdo da Reforma que nada tem de Reforma - tamanho grau de profundidade das mudanças -, trata-se de uma verdadeira Revisão Constitucional não autorizada pelos baianos, cuja única finalidade é a retirada de Direitos e o rebaixamento de benefícios (aposentadoria e pensão), daqueles que passaram 30, 35 ou até 40 anos pagando para tê-los, mas na hora do retorno - do gozo desses Diretos - eles são modificados ou retirados, sem a menor possibilidade de opinar ou discuti-los, como se fossem dados de graça pelo Governador; não são, foram custeados pelos salários dos servidores e o que ele chama de déficit não seria o resultado das más decisões e dos equívocos – ou da má intenção -, de subordinados (secretários, diretores executivos) ao longo das últimas 03 décadas à frente, primeiramente do IAPSEB, depois do FUNPREV, BAPREV – com a segregação de massa, de REDAS e terceirizados -, e finalmente do PREVBAHIA? Isso explicaria o segredo dos dados do estudo atuarial, que foi negado as entidades de classe e até aos deputados?

A terceira violência, que agrediu não só os servidores públicos estaduais, mas a sociedade baiana, brasileira, a imprensa, o poder judiciário, o MP como fiscal da Lei, dos Princípios Republicanos e do Estado democrático de Direito – todos em silêncio e paralisados -, foi o desrespeito ao Princípio da independência e da harmonia dos poderes. Hoje, pergunto-me se ele existe ou já existiu alguma vez? Tirem suas conclusões...

Como todos puderam se calar? Depois do governador enviar seus auxiliares (secretário, procuradores) para diligenciar um MS, sem obter sucesso com a Magistrada, vai pessoalmente ao seu gabinete – não foi uma visita de chefe de poder a outro chefe de poder – e horas depois a publicação da nova decisão está realizada. Foi uma conversa republicana?

E não parou por aí, já que todos que estavam na ALBA, quando da chegada da oficiala de justiça para entregar ao Presidente da casa a decisão liminar, que suspenderia os trabalhos da PEC, assistiram sua saída às pressas, escoltados por vários policiais, para não receber a liminar e não desagradar o governador - que a queria aprovada a qualquer custo... Pergunto, novamente: onde está a independência entre os poderes?
 
Por fim, chegamos a violência das “vias de fato”, exercida no lombo dos servidores estaduais, da noite do dia 31.01.2020, cuja covardia e alcance não havia sido intentada até aquele momento, no palco da casa: 

TROPA DE CHOQUE DENTRO DA ALBA, PARA REPRIMIR SERVIDORES PÚBLICOS, APOSENTADOS E PENSIONISTAS com todos os instrumentos repressivos possíveis: revolver, espingarda, cassetete, spray de pimenta, gás lacrimogênio e escudos de proteção - para os policiais militares. Tudo muito bem fiscalizado pelo secretário de segurança do Estado e do 1º escalão da Polícia Militar da Bahia...  

As imagens nas redes sociais dizem mais que qualquer palavra, já que nas redes e canais de televisão a realidade foi, convenientemente, distorcida e os “vilões que agrediram” os deputados – fortemente armados - com seus gritos, seus cartazes e “duas dezenas de ovos”, “colocaram em risco” a vida dos deputados e o aparato policial-repressor do Governador do Estado...

É bom lembrar: os servidores só ocuparam a ALBA para defender seus direitos previdenciários, exercendo democraticamente o que o art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 lhe assegura; o direito de resistência a opressão: 

“A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a RESISTÊNCIA À OPRESSÃO”. 

Esse mesmo Direito seria repetido na Constituição Francesa de 1791, na Constituição Alemã, de 1949, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, das Nações Unidas e na Constituição Federal Brasileira de 1988, como princípio implícito, decorrente do regime democrático de Direito, da valorização da Dignidade da Pessoa Humana, mas também por ser o Brasil signatário da DUDH, desde 10.11.1948. 

Dessa forma, por mais que seja revoltante, tenho que concordar, em muitos aspectos, com a análise de um determinado deputado oportunista, mas inteligente em explorar o fato da tribuna da ALBA. Dentre os que colocaram o atual governador no poder, estão os servidores públicos, os sindicatos, suas centrais e federações do Estado da Bahia. Até os seis anos sem reposição da inflação, foi citado pelo oportunista, mas o fato é que ele não disse nenhuma mentira. Fico pensando se tudo isso aconteceria num governo do PSDB ou do PFL (DEM) do finado ACM? Os servidores e seus sindicatos teriam agido como agiram até chegar a esse ponto? Ou os servidores já teriam parado o Estado por tempo indeterminado? E não se pode deixar de perguntar, por mais delicada que seja a pergunta: onde estavam os mais de 120.000 servidores da ativa, que terceirizaram a luta para os poucos heróis que se apresentaram para essa guerra?

Mas não se deixem enganar, população baiana – inclusive as mais carentes -, pois quem atende vocês e seus filhos nas urgências dos Hospitais, nas repartições públicas, nas UPAS, nas escolas e universidades públicas, no combate ao crime, no SAMU, no socorro à situação de perigo... não é o Governador, nem os Deputados! São servidores públicos concursados, selecionados democraticamente, para a prestação de serviços públicos, com os poucos recursos disponibilizados pelas decisões políticas dos governadores, dos prefeitos, dos deputados e vereadores, que todos os eleitores escolhem com seus votos. E não se iludam - esse ano de 2020 tem novas eleições -, pois a quantidade e a qualidade dos serviços públicos dependem, agora, dos pouquíssimos servidores que não conseguiram se aposentar antes dessa reforma. E os políticos não são atendidos por esses, mas apenas a população baiana, que junta com os que ficaram sofrerão as consequências dessa reforma.

*Edmilson Blohem é servidor público, economista, advogado, estudioso da previdência social, autor de livro sobre a matéria, e estudante de doutorado em Dir. Constitucional da Universidade de Buenos Aires – UBA.