Opiniões e Debates

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Quem tem medo da verdade e da justiça?

Ainda faz falta ao Brasil, como já ocorreu em outros países da América Latina, uma Comissão que, em nome do Estado, mas com independência e autonomia, inclusive de ações e recursos, possa nos levar a pista mais concreta da Verdade e da Justiça. (Belisário dos Santos Junior )

O debate sobre a edição da 3ª. versão do Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3), publicada no final de 2009, reacende, mais uma vez, a questão da necessidade imperiosa de investigar os crimes de violação dos direitos humanos cometidos pelo aparato repressivo do estado contra militantes políticos de oposição à ditadura militar. As posições raivosas dos que são contrários aos direitos humanos, e ao mesmo tempo, fazem parte de um governo eleito democraticamente pelo voto popular, nos indicam que o caminho continua árduo na busca dos direitos fundamentais como a verdade e a justiça. O impasse deve ser resolvido num processo democrático, respeitadas as decisões tomadas, numa ampla discussão popular que resultou no programa de direitos humanos.

A Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos tem pautado sua trajetória, ao longo de mais de três décadas, na busca incansável pela Verdade e Justiça. Produzimos algumas edições do Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos, sendo que a última, publicada em 2008, pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, traz uma lista de 426 mortos e desaparecidos políticos durante a Ditadura Militar de 1964 a 1985. Há outras listas como a que foi feita pelo Movimento Sem Terra com o registro de 1.188 assassinatos de trabalhadores rurais no mesmo período.

Os familiares enfrentaram e, enfrentam, como mostram os debates diários na imprensa, diversos impedimentos de negação do direito à verdade e à justiça. Mas permanecem na busca de esclarecimento dos desaparecimentos dos opositores políticos e exigem que se apurem as responsabilidades por sequestros, torturas, assassinatos e ocultação dos cadáveres praticados pelo estado autoritário e seus agentes.

Em 1982, os familiares dos guerrilheiros do Araguaia, iniciaram uma ação judicial para exigir do Estado esclarecimentos sobre as circunstâncias das mortes e desaparecimentos de seus parentes e a localização dos seus restos mortais. Em razão da morosidade da justiça brasileira, os familiares recorreram, em 1996, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Passados alguns anos, a ação foi ganha aqui e na OEA também foi aceita e aguarda-se ainda a decisão final. Em 2003, quando a juíza Solange Salgado proferiu sentença obrigando o estado a garantir o direito à verdade aos familiares dos desaparecidos políticos, determinou que fossem feitas rigorosas investigações no âmbito das Forças Armadas, prevendo inclusive a intimação a todos os agentes militares ainda vivos que tenham participado da operação, independentemente dos cargos que ocupavam à época.

Naquela ocasião, o governo interpôs recursos e embargos para impedir a execução da sentença, mas não conseguiu sucesso. Mais uma vez familiares e entidades de direitos humanos protestaram contra tal decisão arbitrária. Suzana Lisboa que integrava a CEMDP – Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça, como representante dos familiares, pediu sua demissão como forma de protesto.

O governo tentou, de forma autoritária, um esvaziamento político da CEMDP e criou, na surdina, uma Comissão Interministerial. Esta Comissão (Interministerial), até os dias atuais, jamais prestou contas de suas atividades e não deu nenhuma informação à opinião pública e sequer aos familiares e entidades de direitos humanos.

Em 2008, os familiares e amigos dos desaparecidos políticos atenderam à convocação da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e participaram dos trabalhos da realização da 11ª. Conferência Nacional de Direitos Humanos, propuseram a inclusão de mais um eixo de diretrizes: direito à memória e à verdade, quando apresentaram a proposta da criação da Comissão da Verdade e da Justiça , que foi majoritariamente aprovada.

O programa nacional aprovado em 2008 sofreu alterações no decorrer de 2009, e a Comissão da Verdade e Justiça foi reduzida apenas à Comissão da Verdade. Os familiares e entidades de direitos humanos entendem que a verdade deve ser seguida de justiça para que tais fatos jamais voltem a se repetir. Mesmo assim, apoiaram e apóiam na integra o PNDH-3. Há uma conivência histórica de setores dominantes da sociedade brasileira perante as violações aos direitos humanos que vem desde os idos da escravização da população negra e da dizimação de indígenas. Mas é preciso mudar este quadro para consolidar a democracia. As forças defensoras da dignidade da nação precisam ser ouvidas e respeitadas. A democracia não pode ser apenas uma fachada, ela precisa ser um instrumento vivo de efetivação de direitos, capaz de por um fim à impunidade histórica que tem deixado nosso país em posição cada vez mais desvantajosa em relação aos países vizinhos quando o assunto é violação dos direitos humanos.

Aos que temem a verdade e a justiça, recolham-se para uma reflexão mais profunda. Respeitem o desejo dos que participaram ativamente na elaboração do PNDH-3, sob uma perspectiva holística de direitos humanos, na qual basta um ser humano coagido e violado em seus direitos para que toda sociedade se incomode e busque recuperar sua cidadania e dignidade.

*Maria Amélia de Almeida Teles  - da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos