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Direitos Humanos: Governo recua e mantém impunidade dos torturadores

A polêmica sobre o plano de direitos humanos que prevê a punição dos torturadores na época do regime militar e a legalização do aborto faz governo recuar

O 3° Plano Nacional de Direitos Humanos, apresentado no final do ano passado gerou uma polêmica nacional. Duas cláusulas em especial causaram a discussão. A primeira seria a criação Comissão da Verdade para apurar torturas e desaparecimentos durante o regime militar (1964-1985), a segunda trata a descriminalização do aborto.

Militares do alto escalão do exército ameaçaram pedir demissão caso Lula não revogue o trecho que poderia levar à punição de torturadores e assassinos da época. Segundo eles deveria haver punição igual aos militares e aos militantes de esquerda armada daquela época. Bispos do Comitê de Defesa da Vida do Regional Sul-1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) contestaram a cláusula que trata a legalização do abordo, pois acreditam ser uma "atitude arbitrária e antidemocrática”. O governo recuou das duas cláusulas. Isto mostra que este decreto de nada valerá, pois assuntos de total relevância para o país estão sendo tratados de forma conservadora. O recuo do governo dá sinais claros que o decreto não é pra valer, de fato. Servirá apenas para propaganda, sem efeito pratico nenhum.

Para o dirigente da Conlutas, Zé Maria, que vivenciou o período de regime militar, a forma como o tema é tratado evidência um atraso do Brasil com relação à ampla maioria dos países que viveram regimes militares. Na Argentina, Chile e Paraguai já existe um processo de esclarecimento do que ocorreu nestes regimes e punição aos torturadores. Na transição para o regime democrático aqui no Brasil este acerto de contas não foi feito. Houve uma transição negociada, com o objetivo de preservar os militares, pois para o capitalismo eles são a última reserva de segurança para a dominação burguesa. “Não interessa aos banqueiros e grandes empresários a desarticulação das forças armadas, então há todo um esforço da elite brasileira de preservar a imagem das forças armadas porque são seus defensores e de seus privilégios”, disse Zé Maria.

Acrescenta ainda que é inaceitável o argumento dos militares, de que deveriam ser punidos os militares e também os militantes de esquerda que recorreram às armas. “Em primeiro lugar porque os militantes de esquerda, inclusive os que pegaram em armas, estavam no exercício de um direito inerente à civilização humana, que é o de se rebelar contra regimes totalitários imposto ao povo, sem nenhuma legitimidade ou legalidade. Os militares usurparam o poder, pela força das armas. A este governo não pode ser devida a obediência da população, pois não foi escolhido por ela. Em segundo lugar porque os militantes de esquerda já foram punidos. Foram punidos pelas prisões, sequestros, assassinatos, perseguições que levaram anos e destruíram milhares de vidas. As autoridades civis e militares que praticaram estas atrocidades sim estão impunes até hoje”, ressaltou o dirigente que salientou a importância de não se virar a página desta época usando como argumento que o regime agiu de acordo com a lei, pois foram leis ilegítimas, criadas por eles próprios.

Segundo Zé Maria o debate sobre o decreto criado pelo ministro de diretos humanos Paulo Vannuchi é bem vindo, mas deveria ser mais ousado. Para ele a reação dos setores mais conservadores e recuo do governo, mostra que há indícios de que pouca coisa deverá mudar.

Lula que já está no sétimo ano de sua gestão até agora nada fez para que seja esclarecido o que houve com os presos, os assassinados e desaparecidos daquela época. Até hoje, centenas de famílias no Brasil procuram seus parentes. O dirigente diz ainda, que não há uma medida concreta para esclarecer e muito menos para punir os responsáveis que cometeram estes crimes. “O decreto levanta o tema a partir de vários aspectos, mas o elemento que gerou a indignação por parte dos militares e fez o governo Lula recuar, tem haver com o esclarecimento do que houve no regime militar. Nada justifica o que foi feito, a militância da esquerda utilizou as formas que eram possíveis para poder lutar contra o regime militar e já foram punidos, muitos perderam a vida, outros foram presos e perseguidos, ou seja, tiveram sua vida destruída. E com os militares que causaram tudo isso? Nada acontecerá? Este é o principal problema que foi colocado”, ressaltou indignado.

Para Zé Maria deve haver o esclarecimento e a investigação para que os torturadores e responsáveis por estes crimes sejam punidos. Zé se emociona ao falar desta época, pois perdeu amigos, e sofreu na pele aquele período sombrio e nebuloso, no qual pessoas foram torturadas, mortas e presas. O governo atual tenta tornar ainda mais distante a punição das injustiças cometidas por aquele regime.

Com relação à cláusula que trata a descriminalização do aborto, Zé Maria foi enfático sobre o posicionamento do atual governo. Para ele o aborto não é um método contraceptivo que seja recomendável, pois existem outras formas menos agressivas contra o corpo e a saúde da mulher, como a camisinha, anticoncepcional entre outros. Porém a mulher deve ter o direito de optar pelo aborto se as circunstancias a levarem a achar que isto é melhor para ela. “A mulher deve ter soberania sobre o seu corpo. Este é um problema de saúde pública e de liberdade da mulher, não pode ser tratado como crime, pois por ser tratado como tal, gera uma situação em que milhares de mulheres perdem a vida, todos os anos, devido aos abortos feitos em condições inapropriadas e sem o devido acompanhamento médico. O governo Lula ao anunciar o recuo também neste tema dá continuidade aos governos anteriores, que pensam em primeiro lugar em manter o apoio dos setores mais conservadores da sociedade, de olho nos votos e no apoio para as eleições”.

Trazendo para os tempos atuais, é preciso identificar uma lacuna importante que existe neste decreto. Trata-se de um problema antigo, mas que subsiste até hoje: grande parte da população brasileira, em particular sua parcela mais pobre, os negros e negras, são tratados pelas autoridades policiais com toda forma de brutalidade, desrespeito, tortura, sem falar nos assassinatos que são uma realidade cotidiana na periferia das grandes cidades brasileiras e a criminalização da pobreza. Trabalhadores, moradores da periferia, muitas vezes são presos injustamente e torturados pela polícia. Quem sofre isso na pele é a população pobre, que presencia o abuso do poder cometido por policiais, que atiram primeiro e perguntam depois. Não há direitos humanos em um país em que esta é uma realidade cotidiana.

Alem disso há ainda a criminalização dos movimentos sociais, no campo, nos sindicatos, na luta por moradia. Em Brasília, manifestantes foram duramente reprimidos pela polícia, pisoteados por cavalos, enquanto estavam somente exercendo seu direito de se manifestar livremente.  Para Zé Maria é um absurdo o governo Lula apresentar um programa tímido como este e, ainda por cima recuar no que ele tem de melhor. Se eles fizerem as modificações que estão sendo anunciadas pela imprensa, se este plano não vier a contemplar a população pobre que vem sendo massacrada nas perifeiras das grandes cidades, se os presos comuns seguirem sendo torturados nas delegacias e cadeias em todo o país, este “plano nacional de direitos humanos” será mesmo apenas “para burguês ver”.





Abaixo segue a conta da Conlutas para os depósitos de Solidariedade ao Povo do Haiti.
Banco do Brasil
Associação Coordenação Nacional de Lutas
AG: 4223-4
C/C – 8908 – 7