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Chacina do Cabula – O clamor por justiça um ano depois



 Dia 06 de fevereiro de 2015. Em mais uma violenta ação, 88 tiros à queima roupa, disparados pela Polícia Militar da Bahia, interromperam bruscamente a vida de 12 jovens, moradores do bairro Cabula, em Salvador. Em comum a todos: a cor preta da pele, a vida na periferia, a pobreza e os sonhos interrompidos. Um ano depois, mesmo obtendo repercussão internacional, a Chacina do Cabula ainda clama por justiça. A partir da conivência do governador Rui Costa e da Secretaria de Segurança Pública, até o momento, nenhum policial foi punido. O episódio, repleto de violência, dor e sangue, se configura apenas como mais uma evidência do processo de criminalização da periferia e da política de extermínio do povo negro, pobre e oprimido.  

O massacre dos jovens, que tinham entre 16 e 27 anos, foi cometido por policiais da tropa de elite Ronda Especial (Rondesp), corporação reconhecida pelo uso extremo de violência. Dos 12 jovens assassinados, apenas um tinha passagem pela polícia por porte de maconha. Segundo o laudo da perícia, divulgado pelo Ministério Público, os corpos das vítimas possuíam marcas de perfurações de tiros de cima para baixo, muitas nas mãos, braços, antebraços, e todas a menos de 1,5 mt de distância. O cenário oferecia evidencias de que as vítimas estavam rendidas, tentaram se defender dos disparos e foram sumariamente executadas. Em matéria publicada no site da revista Carta Capital, em 19.05, o promotor responsável pelo caso, Davi Gallo, afirmou “houve tudo nessa vida, menos confronto. O que ocorreu foi verdadeira execução. Execução sumária”.
 
Na versão da PM, os policiais teriam se deslocado ao local para averiguar a denúncia sobre um grupo que organizava um assalto. Para as doze mortes com 88 tiros, os representantes da Rondesp alegaram auto de resistência, uma medida criada na ditadura militar, utilizada até hoje, para justificar e blindar policiais que cometem homicídios durante o confronto com suspeitos. 
 
A repercussão mundial da chacina contou com denúncias da Anistia Internacional e Justiça Global na ONU. Em 18 de maio, o Ministério Público da Bahia fez a denúncia contra os nove policiais militares envolvidos no caso. O processo teve início, em junho, por meio do juiz Vilebaldo José de Freitas Pereira, da 2ª Vara do Júri. Porém, de maneira extremamente rápida, algo incomum na justiça brasileira, os policiais já foram absorvidos, em 24 de julho, pela juíza Marivalda Almeida Moutinho. Ela assumiu o caso em substituição a Pereira, que havia saído de férias. Outro estranhamento no episódio é que, apesar de se tratar de um assunto da esfera penal, para proferir a sentença a juíza Moutinho tomou como argumentos artigos do processo civil. A sentença não é definitiva e ainda cabe recurso no Tribunal de Justiça da Bahia.
                                                                                                                                                  Foto: Brasil de Fato
Estado brasileiro pratica o extermínio do povo negro
 
Segundo relatos de moradores da Vila Moisés, região do Cabula em que aconteceu a chacina, após as mortes, viaturas da Rondesp passaram a circular constantemente no local. Residentes da Vila foram ameaçados para que não fizessem protestos. Pressionados pela situação, alguns familiares das 12 vítimas se sentiram obrigados a mudar para outras localidades.
 
Criminalização da periferia
 
Para a diretoria da ADUNEB, a maneira rápida com que os policiais foram absolvidos da chacina, sem um acúmulo maior de provas e investigações, assim como a intervenção do governo Rui Costa, que defendeu a ação da PM, reforçam a tese da criminalização da periferia e o extermínio do povo negro, pobre e periférico. 
 
Horas após o massacre dos jovens, o governador, em mais uma posicionamento infeliz, fez a defesa dos policiais e comparou a ação dos PMs a artilheiros diante do gol. “É como um artilheiro em frente ao gol que tenta decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol (…). Depois que a jogada termina, se foi um golaço, todos os torcedores (…) irão bater palmas. Se o gol for perdido, o artilheiro vai ser condenado (…)”, declarou o governador.
 
Dados publicados recentemente reforçam a denúncia sobre a velada política de extermínio do povo negro e pobre que atinge, sobretudo, as periferias das grandes cidades do país. Segundo o Mapa da Violência de 2015, os homicídios com arma de fogo (a cada 100 mil habitantes), entre 2003 e 2012, que vitimaram negros, saltaram de 370 (12%) para 4.512 (41,7%). No mesmo período, na camada branca da população, os índices foram de 114 (3,8%) para 1.241 (12%).
 
Na análise da diretoria da ADUNEB, os números evidenciam o alto número de mortes seletivas no país, que atingem muito mais a população negra à branca. Na Bahia, território em que cerca de 80% da população é negra, os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2013, a Polícia Militar baiana matou em confronto 234 pessoas, assim, ocupando o segundo lugar no ranking nacional das PMs que mais matam em serviço. São Paulo é a primeira com 564 mortes. O Rio de Janeiro não disponibilizou informações.
                                                                                                                                                              Foto: Mauro Nassor
PM baiana é a segunda que mais mata no país
 
ONU recomenda fim da PM
 
A relatora especial da ONU sobre Questões das Minorias, Rita Izsáck, recomendou o fim da Polícia Militar no Brasil. O pronunciamento se deu diante dos inúmeros e recorrentes casos de mortes por autos de resistência praticados pela PM, e foi realizado em recente visita ao país, no final de setembro do ano passado.
 
Durante o discurso Izsáck demonstrou profunda preocupação da ONU com a defesa das minorias no Brasil. “Os altos índices de homicídios, na casa dos 56 mil todos os anos, precisam acabar. Isso afeta particularmente os afro-brasileiros pelo fato de que eles compõem 75% do total de vítimas. É preciso terminar com a Polícia Militar, remover os mecanismo dos autos de resistência e tratar todas as mortes como casos de homicídios, processar os autores e prover auxílio psicossocial para as famílias das vítimas, especialmente para mães que perderam os filhos", recomendou a relatora. 
 
 
Pelo fim da criminalização da periferia
 
Para os diretores da ADUNEB, é necessário combater a criminalização da periferia, que ganha força e é difundida, principalmente, pelos setores mais reacionários da sociedade. Ações como a do governador Rui Costa e da justiça baiana, que tentam impedir a punição dos policiais da Chacina do Cabula, servem apenas para legitimar a propagação da violência e o extermínio de grupos oprimidos e periféricos. Reforçada pelo discurso da mídia de grande circulação, a criminalização da periferia é aceita como verdade pela maioria da população, o que tem como resultado o aumento da violência e da desigualdade social. Diante da realidade brasileira, em que massacres como o do Cabula e o de Osasco (SP) são cada vez mais comuns, não morrem apenas as vítimas. Morrem também suas mães, a confiança na justiça, o direito à cidadania e a democracia social, a esperança de paz e de um mundo justo. Morre a sociedade, um pouco a cada dia. 
 
Fontes: