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No dia do professor, vamos discutir o nosso Trabalho





Hoje, 15 de outubro, é comemorado o dia do professor no Brasil. A ADUNEB aproveita a simbologia da data para discutir um dos temas centrais da nossa profissão atualmente: a precarização do trabalho docente. 

Para tanto, realizamos uma  entrevista especial com a Profª. Drª. Denise Lemos, que analisou, na sua tese de Doutorado “Alienação no trabalho Docente? O professor no centro da contradição” (2007), o processo de alienação do trabalho docente no contexto das transformações  das Instituições de Ensino Superior operadas à luz das políticas neoliberais do Estado. Para realização da pesquisa, a professora tomou como amostra os docentes da UFBA (veja aqui a tese). Na última edição da Revista Universidade e Sociedade do ANDES-SN, n°45, a revista trouxe o artigo de título homônimo publicado pela professora (veja aqui o artigo).

Denise Lemos é graduada em Psicologia, Mestre e Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é Diretora do Núcleo de Psicologia Social da Bahia, professora da Pós-graduação das Faculdade Olga Mettig e professora substituta do IHAC/UFBA.



Desejamos a todos os professores e professoras um feliz dia do professor e uma excelente reflexão sobre o tema.
Boa leitura!

ADUNEB – Qual a importância da ADUNEB, enquanto instrumento de organização dos professores unebianos, pautar a discussão da precarização do trabalho docente na data em que se comemora o dia do professor?

Denise Lemos – Eu acho que é fundamental porque essa discussão não tem emergido entre os professores de forma efetiva. Então, eu acredito que é papel do sindicato dos docentes apresentar este tema como uma discussão de extrema relevância na realidade atual dos docentes e das universidades públicas, uma vez que impacta de forma significativa a qualidade do ensino e da pesquisa.

ADUNEB - A conjuntura atual das universidades públicas é de perda da autonomia universitária, de sucateamento das Instituições de Ensino Superior e de avanço da política e ideologia neoliberal sobre a educação. Como essa realidade tem refletido no trabalho docente?

Denise Lemos – Esta conjuntura incide sobre o trabalho docente através da filosofia do produtivismo acadêmico. O professor passou a ser, como diz o autor Sevcenko, um mixto de cientista e “corretor de valores”, e a universidade um pregão, uma vez que, grande parte do seu tempo é dedicado a fazer projetos, relatórios e alimentar estatísticas. Apesar dele ter um emprego é como se não tivesse porque, para complementar a sua renda e para obter financiamento de pesquisa e do trabalho de extensão, ele tem que concorrer, ficando assim sob controle dos editais e  de instituições extrínsecas à universidade. Este produtivismo acadêmico, por sua vez, vem prejudicando a qualidade do ensino, da pesquisa e da própria publicação acadêmica. Existem taxas de publicação para o professor permanecer credenciado a um programa de pós-graduação. O que está acontecendo hoje é algo parecido com o futebol: a qualquer momento, o professor pode ser rebaixado. Aquele professor que está em um programa de pós - graduação há muito tempo, caso fique um ou dois anos sem publicar o equivalente àquela cota pré-estabelecida pelo Programa para manter a nota da Capes, pode ser descredenciado. É a lógica do produtivismo acima de tudo, desqualificando, muitas vezes professores com uma história de contribuição de qualidade para a Universidade.

ADUNEB - Como se materializa a precarização do trabalho docente no cotidiano do professor?

Denise Lemos – Principalmente, na intensificação e na sobrecarga deste trabalho. O professor tem que dar aula; submeter projeto de pesquisa à aprovação do CNPq para ser valorizado como pesquisador ou ele não é considerado um professor universitário; realizar tarefas administrativas diversas porque o quadro reduzido de funcionários não dá conta de apoiá-los nestas atividades e, ainda, publicar artigos acadêmicos. Afinal, hoje a publicação acadêmica é a dimensão do trabalho docente mais valorizada pelas agências de financiamento. Uma questão importante a ser destacada em relação à precarização do trabalho docente é a questão cultural. A intensificação do trabalho furta o lazer do professor. Essa é outra dimensão da alienação do trabalho. O professor trabalha nos finais de semana e não tem tempo de ir ao cinema, ao teatro, descansar. Como é que um professor de uma universidade não tem tempo de ler um romance, de assistir um filme, ou seja, de ampliar o seu conhecimento para além do seu projeto de pesquisa e da sala de aula?

ADUNEB- Para a senhora, então, o professor exercer um trabalho administrativo na universidade é também uma faceta da precarização do seu trabalho?

Denise Lemos –
Sim. Porque a própria instituição universitária possui uma série de sistemas aos quais o professor precisa alimentar, e isso  rouba muito tempo. Além disso todos os editais, que o professor tem que se submeter para obter financiamento, são acompanhados de uma gama muito grande de formulários, relatórios e controles diversos. Caso a universidade tivesse uma estrutura administrativa capaz de dar conta dessa burocracia administrativa, a carga de trabalho do docente poderia ser reduzida.

ADUNEB - Na sua pesquisa, a senhora parte do seguinte questionamento: “É possível identificar dimensões alienantes do trabalho docente, mesmo considerando que a sua função é a emancipação das capacidades humanas? E conclui afirmando que a alienação do trabalho docente se configura com a transformação do trabalho intelectual em mercadoria. Como se dá esse processo de alienação?

Denise Lemos –
Na pesquisa, identifiquei que a Universidade e o Ensino Superior estão submetidos à mesma lógica da reestruturação produtiva que se deu no mundo do trabalho, dentro das empresas. Fragmentação do conhecimento, limitação da capacidade de decisão, flexibilização dos contratos de trabalho, fortalecimento do ensino à distancia, prestação de serviços à empresas, enfim, o conhecimento tratado como mercadoria. O professor, no centro desse processo, convive com uma série de contradições no cotidiano do seu trabalho. O professor, por exemplo, é contratado pra ensinar, mas ele não aprende a ensinar, além do que prefere dedicar-se ‘a pesquisa porque dá mais visibilidade e status na vida universitária. O professor é treinado para pesquisa, no entanto, para pesquisar é preciso competir pelo financiamento dos projetos. É necessário, ainda, publicar ou é descredenciado da pós-graduação. Por outro lado, a pesquisa vem acompanhada de uma burocracia administrativa, o que leva o professor a assumir também o papel de técnico administrativo, sem falar nos casos em que ele exerce funções de coordenação e participação em comissões e bancas. Com essa sobrecarga não sobra tempo para o lazer; o fim de semana é corrigindo prova, atualizando emails, escrevendo ou preenchendo algum formulário. A conseqüência é o adoecimento devido ao intenso ritmo de trabalho e ainda é responsabilizado pela crise da universidade.

Todos os níveis institucionais exercem controle sobre a sua vida na academia. O professor se encontra no centro da contradição da crise universitária no momento em que se percebe com plena autonomia e, por outro lado, não percebe os mecanismos crescentes de controle institucional, configurando a alienação do trabalho. Umas das conseqüências desse controle é a perda progressiva da autonomia docente sobre o seu objeto de trabalho, o fazer acadêmico. Perda da autonomia como pesquisador, como coordenador administrativo ao depender de diversas instâncias para deliberação, e perda de autonomia como docente, uma vez que, muitos professores acabam se dedicando às áreas onde existe um maior volume de recursos financeiros e não às áreas que efetivamente gostariam de atuar.

ADUNEB – E essa alienação se dá também pelo fato do professor não reconhecer essa falta de autonomia em relação ao seu trabalho?

Denise Lemos – Exatamente. Inclusive, alguns autores colocam que a alienação mais significativa é quando o indivíduo não tem autonomia e não percebe que não a tem, como é o caso dos docentes. Muitos professores entrevistados na minha tese consideravam que gozavam de autonomia no desenvolvimento do seu trabalho.

ADUNEB - Na sua pesquisa, a senhora usa o termo “Universidade Neoliberal”. Essa seria uma tendência das universidades públicas? Qual o perfil do docente nesta universidade?

Denise Lemos – Acredito que as universidades têm incorporado cada vez mais o projeto neoliberal no seu interior. O que era, até então, restrito às empresas é também visto hoje no sistema de ensino público. Hoje as instituições de Ensino Superior incentivam as consultorias, os editais, ou seja, incentiva o professor a virar um vendedor de projeto internamente e externamente. Obriga-o, enfim, a captar recursos fora da instituição, uma vez que, no interior da universidade estes recursos são sempre reduzidos.

ADUNEB – Em uma passagem da sua tese, a senhora fala que o “professor vive hoje uma degradação física sem precedentes” em virtude da sobrecarga de trabalho. Quais têm sido as conseqüências dessa intensificação do trabalho docente para a saúde do professor?

Denise Lemos – Quase 50% da categoria sofre, como nós psicólogos chamamos, de Distúrbios Psíquicos Menores que é o cansaço mental, esquecimento, nervosismo, doenças psicossomáticas como muitas dores na coluna e nas pernas. Ao ser exigido, a sua resistência bio psico social torna-se precária deixando-o vulnerável a uma série de doenças, como viroses e também aos distúrbios psíquicos. A Síndrome de Burnout, por exemplo, é considerada uma das conseqüências mais graves e sérias desse processo estressor do trabalho docente. O professor perde o interesse pelo trabalho, desiste e tende ao isolamento.

ADUNEB – A senhora aponta no seu trabalho que a década de 90 foi um marco em relação à redução da participação dos docentes no movimento sindical e partidário. Por quê? Como a senhora avalia a participação dos docentes atualmente nas suas organizações de classe?

Denise Lemos – A década de 90 foi o período em que o projeto neoliberal se afirmou politicamente e ideologicamente, e isso terminou enfraquecendo o movimento sindical em geral, e em particular o movimento docente. Com um contexto socioeconômico desfavorável à ação coletiva e a universidade estimulando as carreiras individuais e a competição entre os pares, os professores priorizaram os seus interesses individuais, a sua carreira, relegando a sua participação em ações coletivas a um segundo plano e até desqualificando-as.

ADUNEB- Em sua Tese, a senhora fala do surgimento, pós década de 90, do “militante de conteúdo profissional”. Quem seria este ativista?

Denise Lemos –
Uma parcela significativa dos professores entrevistados na minha pesquisa foi militante do movimento docente, em outros sindicatos, ou de algum partido político na década de 70 e 80, mas, partir da década de 90, deixaram de sê-lo. Agora estão “militando na profissão”, ou seja, militando como professores através de entrevistas, publicações nos jornais de artigos críticos, palestras sobre conjuntura e etc. Por outro lado, as assembléias, congressos e encontros que definem os rumos do movimento docente se encontram cada vez mais esvaziadas.

ADUNEB – E a geração de professores mais novos?
Denise Lemos – A maioria não possui uma historia de militância política e de participação em organizações da classe.  Eles já entram na universidade num nível de condicionamento quanto aos valores neoliberais bem mais forte, o que os torna ainda mais individualistas, preocupados mais com a sua carreira e não com o coletivo e a instituição universitária.

ADUNEB- A partir da sua análise sobre a precarização do trabalho docente e todas as suas facetas no cotidiano do professor, qual a saída que a senhora visualiza para reverter a atual situação de transformação do trabalho intelectual em mercadoria?

Denise Lemos – A primeira medida seria resgatar o financiamento público das universidades. O primeiro passo de uma autonomia é ter recurso interno. E isto é previsto na Constituição Brasileira que garante a autonomia financeira para as Instituições de Ensino Superior. A segunda medida é resgatar a democracia efetiva na gestão da universidade, com planejamento participativo institucional. E, finalmente, resgatar a atividade docente, através da inovação do projeto pedagógico, substituindo a filosofia do produtivismo por uma produção acadêmica equilibrada, de qualidade, onde o professor possa dedicar-se, no seu tempo, de forma harmônica, integrada aos três pilares, pesquisa, ensino e extensão, que fazem uma Instituição ser merecedora do título de Universidade.
 
 

 
Saiba mais: O que é a Síndrome de Burnout?

“A síndrome de Burnout trata-se da cronificação de um estado de estresse ocupacional intenso, que combina exaustão emocional, despersonalização (caracterizada pela indiferença em relação ao outro) e sentimento de baixa realização profissional. O desconhecimento da síndrome, ou a sua negação, faz com que os profissionais sejam tratados como depressivos e não se chegue à raiz do problema: o estresse laboral” (PITA, 2010).

A sintomatologia da síndrome, entre outras coisas, apresenta-se como fadiga constante, distúrbios do sono, dores musculares, alterações menstruais nas mulheres, incremento da agressividade, incapacidade de relaxar, falta de atenção e concentração, sentimento de solidão, baixa autoestima, desconfiança, paranóia, tendência ao isolamento, perda de interesse pelo trabalho.

Fonte: Estresse laboral, assédio moral e Burnout marcam produtivismo. Marina Pita. São Paulo, 2010: Revista ADUSP.