Opiniões e Debates

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Contribuição ao Debate sobre o Movimento dos Educadores das Universidades Estaduais da Bahia

Colegas, participei das três últimas assembléias do movimento dos trabalhadores universitários, do qual faço parte, e como tempo de fala é curto nestes momentos, para que todos possam falar, preferi trazer algumas idéias sobre o meu apoio ao nosso movimento na forma deste breve texto. Eu o organizei como resposta aos principais argumentos dos colegas que são contra (total ou parcialmente) ao movimento. Quero esclarecer que tenho o maior respeito a estes colegas, embora não concorde com os seus posicionamentos.
Quero também deixar claro que, não obstante a minha simpatia pelos partidos que estão tentando re-aglutinar as forças progressistas no Brasil (PSOL, PSTU, PCO e PV), não sou filiado a nenhum deles. Este texto é uma contribuição ao nosso movimento de base, que deve ser sempre supra-partidário.

PRIMEIRO ARGUMENTO:
NÃO SOMOS A FAVOR DE UM MOVIMENTO QUE LUTA POR SALÁRIOS POIS ISTO É UMA CAUSA COORPORATIVISTA; O IMPORTANTE É A UNIVERSIDADE PÚBLICA

CONTRA-ARGUMENTO:
Discurso da desimportância da luta por salários peca por dois motivos, na minha opinião. O primeiro é a evidente importância da segurança material para a plenitude da vida humana. Não há nada de indigno em se lutar por salários decentes, se esta luta é articulada à melhoria das universidades como um todo (que é claramente o encaminhamento do nosso movimento). Este argumento me lembra aquela antiga ideologia segundo a qual ser educador é um sacerdócio, uma profissão de renúncias e privações, tão divulgada pelas elites em nosso país por décadas. Mas nós não somos sacerdotes, somos educadores, pesquisadores e trabalhadores sociais. Nós não fizemos voto de pobreza, nem de obediência, nem de castidade.
O segundo motivo é que este argumento considera que salários e qualidade da universidade pública são fenômenos estanques. Mas como ter um serviço de qualidade se não ganhamos de forma digna? Não há qualidade no serviço público se os seus trabalhadores não tem qualidade de vida!
SEGUNDO ARGUMENTO: A GREVE É ATÉ IMPORTANTE E PODE DAR RESULTADO, MAS ELA COMPROMETE TODO NOSSO TRABALHO E O NOSSO PLANEJAMENTO; A REPOSIÇÃO DO SEMESTRE NUNCA TEM A MESMA QUALIDADE; ISTO PREJUDICA A UNIVERSIDADE PÚBLICA
CONTRA-ARGUMENTO:
O que está em jogo não são apenas salários e a qualidade do trabalho com nossos alunos e com as comunidades de nossos projetos de extensão, mas a própria sobrevivência da universidade pública. Isto significa, no limite, a manutenção dos bens públicos, isto é, aqueles que servem a todos, e não apenas às pessoas que podem pagar. Está em curso na América Latina, desde os anos noventa, um fortíssimo processo de privatizações. O projeto da maioria dos governos em nosso continente é privatizar tudo. No Brasil, já se privatizaram as telefônicas, os bancos estaduais, as companhias de eletricidade, as siderúrgicas. Já se está pensando em privatizar até as penitenciárias, como nos EUA. As escolas e as universidades públicas, contudo, não passaram por este processo justamente devido à forte resistência de seus alunos e de seus profissionais.
Um fato gravíssimo está ocorrendo neste momento: o governo Lula já está fazendo tramitar no congresso uma lei para limitar o direito de greve dos servidores públicos. Deveríamos estar protestando nas ruas de todo Brasil. O que será do serviço público e do próprio estado se nem os servidores puderem exercer o direito constitucional de lutar por seus direitos e salários?
Na Bahia o governo anterior já estava semi-privatizando os hospitais públicos, contratando cooperativas de médicos ao invés de profissionais por concurso. Já se davam sinais de querer também encaminhar a privatização das quatro universidades do estado. Não parece que o projeto do atual governo seja muito diferente disso. Quando eu comecei a debater com minhas alunas, neste semestre, o meu apoio e concordância à deflagração do nosso movimento, descobri que 95% delas eram contra. Argumentavam que precisavam terminar logo o curso, sem atrasos.
Eu procurei demonstrar que se elas estudam em uma universidade gratuita e com a qualidade da UNEB, isto só se dá, hoje, porque no passado alunos, professores e funcionários fizeram movimentos de resistência e contra-hegemonia como este; e se elas querem universidades públicas para seus filhos, a hora de lutar é agora. Depois destes debates, muitas delas repensaram as suas posições iniciais. O mesmo vale para nós educadores da universidade: vale a pena dar uma pausa nos nossos projetos, para que tenhamos projetos no futuro. Ou queremos que isto aqui vire uma grande FTC?

TERCEIRO ARGUMENTO:
PRECISAMOS DAR UMA CHANCE AO GOVERNO WAGNER, CINCO MESES É MUITO POUCO; NÃO SERÁ POSSÍVEL QUE REALMENTE NÃO HAJA VERBA PARA DAR UM AUMENTO MAIOR?

CONTRA-ARGUMENTO:
Quando um governo não tem condições financeiras de investir na área social mas tem comprometimento popular, ele constrói com os setores sociais o projeto de governo, com prazos e metas definidos, que serão cumpridos. Este diálogo democrático promove confiança e credibilidade do governo junto à população. Isto o fortalece em momentos difíceis. Por exemplo, o governo Evo Morales, da Bolívia, com fortíssimo apoio popular, já encaminhou reformas de base no país no primeiro mês de governo. Ele não esperou o momento propício, ele criou o momento propício.
O governo Wagner demonstra uma absoluta falta de projeto para a Bahia, em todas as áreas (a não ser que o seu projeto seja o mesmo do governo anterior). Quem quer fazer, faz; quem não quer fazer, fala. No atual embate entre o nosso movimento e o governo estadual, o que está acontecendo, na minha interpretação, é um leve prenúncio da opressão que marcará os próximos quatro anos de governo na Bahia. O nosso movimento é um sinal do grau de rebelião e resistência que o governo enfrentará, pois várias categorias de servidores já capitularam, representados por uma federação (FETRAB) absolutamente ilegítima e aparelhada. Alguma categoria de servidores precisa enfrentar a política que se anuncia, ou seremos como os bois que vão para o matadouro silenciosamente.
Nossa categoria tem toda capacidade e energia para esta missão histórica e exemplar, estabelecendo na luta um novo patamar das relações estado-trabalho. Este novo patamar seria fundamental para inspirar outras categorias de servidores à luta. Se não temos esta visão e esta consciência histórica, para que estudamos tanto? Para que fazer mestrado e doutorado, se na hora do enfrentamento político preferimos ficar na frente do computador, dissertando teoricamente sobre a miséria e a opressão, quando a luta contra este estado de coisas poderia estar acontecendo na práxis?
Belíssimo exemplo estão dando os estudantes, que pararam a UNEB no dia 05 de junho. Eles sublevaram–se contra um DCE que combate a greve de educadores e de alunos da UNEB, quando nossos estudantes não tem restaurante universitário, residência estudantil, bolsas de estudos, não tem salas, não têm professores...

QUARTO ARGUMENTO:
NÃO PODEMOS ENFRAQUECER O GOVERNO WAGNER, PARA NÃO FORTALECER A VOLTA DO CARLISMO: AFINAL, ESTE GOVERNO É SUBSTANCIALMENTE DIFERENTE DO ANTERIOR

CONTRA-ARGUMENTO:
Estamos repetindo, em nossas assembléias, exatamente o discurso que o governo atual quer. Esta idéia está baseada na suposta diferença entre o atual governo e o governo fascista que o precedeu. Contudo, o atual comandante da PM é o mesmo do governo anterior. A polícia continua espancando os sem-tetos em suas manifestações (início deste ano). A polícia militar agride estudantes durante a legítima onda de protestos contra o aumento das passagens de ônibus para R$ 2,00. Enquanto isto, o governador diz na imprensa que temos uma polícia de primeiro mundo.
Não podemos deixar que nossa justificável rejeição ao carlismo nos impeça de ver que este e o governo anterior são grupos políticos diferentes, mas servem às mesmas elites. A prova disto é a total ausência de críticas destas elites ao novo governo. Alguém ouviu alguma crítica deste tipo? Se este governo é popular e progressista, porque é tão agradável para elas? Nenhum grupo pode servir a dois senhores. Ou se compromete com a população, e enfrenta as elites com apoio popular, ou se compromete com as elites, e reserva para as forças populares a retórica.
Eu posso estar muito enganado, mas o governo Wagner tem o mesmo projeto político do governo Lula, que não é transformar a realidade social brasileira (como foi prometido), mas se manter no poder o maior tempo possível.

QUINTO ARGUMENTO:
AS GREVES NÃO SÃO EFICAZES, NÃO CONSEGUIMOS NADA NOS MOVIMENTOS DE 2002 E 2005

CONTRA-ARGUMENTO:

A greve de 2002 foi vitoriosa em mais de ponto, sendo provavelmente o mais relevante a conquista do estatuto do magistério superior. Em 2005 não obtivemos nada de nossa pauta devido à intransigência do governo; aparentemente sofremos uma completa derrota. Mas nem todas as conquistas de um movimento social são diretas e imediatas. O governo Paulo Souto não se reelegeu; é interessante que o atual governo tenha isto em mente.
Eu passei doze anos da minha vida em um intenso ativismo a favor da candidatura Lula à presidência (quando PT e PC do B eram partidos comprometidos com causas populares). Além disto, votei em 2006 na candidatura Jacques Wagner. Mas um governo que não age com franqueza e não trata a população que o elegeu com comprometimento e humanidade, não pode merecer o nosso apoio.